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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

como uma ilha

"A noção que temos do espaço como uma estrutura contínua é apenas uma aproximação; se pudéssemos ampliá-lo com um super microscópio imaginário, veríamos um caos difuso, como bolhas de sabão amontoadas umas sobre as outras, vibrando, colidindo. Nessas distâncias minúsculas, muito menores do que o tamanho de um núcleo atômico, a própria noção de movimento como um processo contínuo deixa de fazer sentido; todo movimento é descontínuo, consistindo em saltos."
Ao buddhista estudioso e/ou praticante, este trecho do novo livro do físico brasileiro Marcelo Gleiser - A Ilha do Conhecimento - pode bem ser a descrição de estados avançados na prática da meditação vipassana.
O seguinte poderia ser um trecho de uma palestra sobre paticcasamuppada: "...o universo não 'existe lá fora', independentemente dos atos de observação. Pelo contrário, de forma ainda misteriosa, o universo é participatório." Mas é uma citação do físico teórico John Wheeler, feita no livro, para ilustrar o impacto que as observações e medições oriundas das pesquisas em física quântica tem na nossa concepção da realidade.
Já passei da fase de buscar validação científica para o buddhismo, mas continuo interessado em ciências e impressionado pelas convergências, geralmente nos pontos mais profundos, entre as duas abordagens. A ciência, em seu caminho de objetivação, medição, análise e replicação da realidade reafirma muitas das coisas do caminho buddhista da investigação introspectiva e vivência pessoal intensa. 
Neste livro, uma continuação do anterior - Criação Imperfeita - do qual já falei aqui, o autor desenvolve o questionamento das nossas limitações no que se refere a uma compreensão final e definitiva da realidade e o quanto o aprofundamento desta mesma compreensão corrobora a adoção de uma postura humilde e pragmática diante do mistério que nos envolve, tanto quanto daquilo que conseguimos saber, tornando-nos ilhas.
Na passagem ocorrida no bosque de sinsapa o Buddha deixou claro a razão de sua vida e de seu ensinamento. De toda compreensão que se possa ter da realidade, desde que ela sirva ao propósito declarado pelo Buddha, não há importância no tanto que se conhece e menos no tanto que permaneça desconhecido. O propósito é o fundamental para o buddhista. É saber porque sentar-se, porque manter a vigilância, porque esforçar-se, porque manter os preceitos que dirige a busca pelo conhecimento, e do conhecimento pessoal e direto o Buddha afirma a libertação, tornando-nos, justamente, ilhas de conhecimento no oceano do saṃsāra. Se o conhecimento final e absoluto, cada ilha saberá por si. 

Se clicar nos links nem precisa ler o texto!!

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

realpolitik

o risco de ver eleita uma presidente evangélica me faz revisitar meu ateísmo. 
mais do que o mero fato de marina silva se declarar evangélica, afinal ela tem o direito, o que incomoda é sua aparente afinação com o que de pior esta derivação do cristianismo tem entre os seus líderes aqui no brasil. afinação evidenciada pelo imediato apoio que a ela sermonam.
o problema seria menor, ou nem haveria, se ela meramente cresse, mas ao invés, seu comportamento sugere que, assim como os lastimáveis líderes, ela considera que aquilo que consta, em termos de ética, princípios de conduta e mesmo história, na obra máxima da mitologia judaico-cristã,  a chamada bíblia sagrada, é adequado ao todo da população.
difícil prever o prejuízo que isto traria à sociedade, é possível até que nenhum. há os que afirmam que aqueles líderes e suas ideias são menos que bazófia midiática e não tem relevância para o todo multifacetado da comunidade evangélica nacional. deus queira que seja assim. não sei, mas sei que dar a esse tipo de gente mesmo a impressão de poder me causa ojeriza. eu imagino esse povo que se propagandeia imbuído de uma missão sagrada tentando validar o ensino de pseudociência nas escolas, mitologia como a verdade nas escolas, forçando a intromissão oficial na intimidade das pessoas. eles tem mídia, eles tem dinheiro e há muita ignorância, miséria e medo a serem explorados no país... um quadro ao menos, por possível, digno de consideração.
na minha revisitação revejo em dawkins, hitchens, harris, para ficar só nos chamados três cavaleiros do apocalipse ou do ateísmo militante internacional, os males que a religião provocou e provoca ao mundo. isto poderia causar algum desconforto a alguém que se considera religioso como eu me considero, mas o buddhismo não é equiparado à religião por estes críticos, em geral eles até o respeitam ou ignoram. suas críticas são dirigidas ao teísmo e em especial ao monoteísmo judaico-cristão. em verdade vos digo, o monoteísmo tem um passado terrível. e não só os livros de história, mas tv e internet nos horrorizam aqui e agora.
esta coisa de ser um religioso ateu parece complicada para alguns, penso até que há infundada resistência ao termo, julgo que muito seja por conta de um equivocado espírito corporativo surgido da noção de que as religiões são iguais. coisa de que discordo.
embora seja possível ver pontos comuns, como é para quaisquer duas coisas no mundo, o teísmo parte do princípio de que a verdade última nos é divinamente revelada e vai mal encaixando os fatos da realidade nela. não há como negar que este fundamento a torna incompatível com o buddhismo que parte do exato oposto: fomenta a análise e aprofundamento na realidade experiencial que eventualmente conduzirá ao conhecimento da verdade transcendente. pelo caminho, a investigação dos fatos vai reformatando a percepção e, consequentemente, o agir do buddhista no mundo. se não para melhor, para menos ruim.
há muito que ser desenvolvido nesta abordagem, mas este breve resumo do buddhismo já deixa espaço restrito para conceituá-lo como religião, mas muito espaço para nós, ateus, assumi-lo sem qualquer constrangimento.
se há risco de criar alguma animosidade por parte de religiosos teístas por conta de tais afirmações, bom, acho que não há o que fazer da parte dos buddhistas que se assumem ateus. por mim há respeito ao direito de ter crenças, melhor quando não tomadas por conhecimento e sonhadas como verdade a ser aceita por todos como salvação. assumir-se um ateu é, assim, além de coerência para o buddhista, uma afirmativa pedagógica numa sociedade que precisa discutir e definir a influência que está disposta a aceitar de crenças e religiões e também uma exigência por tolerância que só existe verdadeiramente se houver plena aceitação de diferenças claramente afirmadas.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

taṇhā

taṇhā impede o desencanto por nos manter acreditando nos beija-flores, pores de sol, montanhas e outras coisas que se sucedem... 
sem taṇhā não há dukkha por que se a gente para no meio do desejo e, por um instante que seja, consegue uma centelha de percepção da condicionalidade, da falaciosa liberdade do eu quero, um alívio é sentido, um desencantado perceber da lamentável condição que é estar vivo... depois tudo volta ao normal se não se foi além de uma contemplação intelectual, mas me parece ser um começo... é isso ou o samsaricar saltitante como se nada houvesse para ser visto...

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