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segunda-feira, 26 de maio de 2014

o que faz você ser budista?

li este livro em poucos dias. fiz várias anotações e destaques.
é um texto leve, divertido, claro e, apesar disso ou por isso mesmo, profundo. e indigesto, talvez, para quem preste atenção e reflita entre uma risada e outra. é um livro que recomendo a buddhistas, simpatizantes, curiosos e aspirantes por algumas razões.
uma delas: o autor não ensina técnicas, fórmulas, práticas. antes, ele esclarece a visão buddhista, o como o buddhismo interpreta a existência, aquilo que o interessado no buddhismo deve esperar encontrar.
com bom humor, o autor cita instâncias de nossa vida ordinária, como a política e a cultura pop, nos convidando a encarar a hipocrisia e o absurdo que nutre muito bem nossa ignorância.
não é uma leitura agradável para quem busca alguma arte da felicidade:

"O objetivo de Sidarta não era ser feliz. Seu caminho não conduz, ao final, à felicidade. Antes, é uma rota direta para o estado de libertação do sofrimento, libertação dos enganos, ilusões e confusões."

eu parafrasearia o título do best seller do dalai lama assim: "a arte de se aprofundar na infelicidade" como possível para o livro que é desenvolvido sobre o que o autor chama de quatro selos do buddhismo, sem os quais não há buddhismo, a saber: a postulação do existir como fenômeno interdependentemente composto e, por isso, impermanente, vazio e capenga ('capenga' é palavra minha). a estes três soma-se o nibbāna, fenômeno que está além das definições. a pessoa que, nas palavras do autor, não aceita estes princípios, não é buddhista.
há controvérsias? não para mim.
outro trecho:

"Hoje em dia, é comum encontrar gente que junta e mistura religiões, segundo sua conveniência e nível de conforto. Na tentativa de não serem sectárias, essas pessoas procuram explicar conceitos cristãos a partir do ponto de vista de Buda, encontrar semelhanças entre o budismo e o sufismo, ou entre o Zen e o mundo dos negócios. Naturalmente, sempre é possível encontrar pelo menos pequenas semelhanças entre quaisquer duas coisas sobre a face da Terra - mas não acredito que essas comparações sejam necessárias."

mais uma razão para eu recomendar: é um livro que não foi escrito para ser simpático à diplomacia religiosa, mas antes para estabelecer fronteiras sinceras. deixar claro que de cada lado deve haver amizade e respeito, mas importantes diferenças precisam ser conhecidas para o bem do viajante.
o ecumenismo pode ser um grande problema se servir à ocultação das diferenças em nome de abraços, sorrisos e fiéis que saem daqui para lá e de lá para aqui, sem se comprometer lá nem aqui. e, principalmente, sem se comprometer consigo mesmo.



"Uma vez que tenha aceitado intelectualmente a visão do budismo, a pessoa pode usar qualquer método que sirva para aprofundar seu entendimento e realização. Em outras palavras, pode se valer de qualquer técnica ou prática que contribua para transformar o hábito de pensar que as coisas são sólidas no hábito de vê-las como compostas, interdependentes e impermanentes. Essa é a verdadeira prática e meditação budistas - não apenas ficar sentado sem se mexer, como um pedaço de pau."

quer dizer, por mais gostoso que possa ser relaxar sem compromisso num centro de dhamma, conhecer gente cabeça, debater os males da sociedade e depois ir na missa, isso está longe de ser buddhismo e mais ainda de conduzir à meta que o Buddha alcançou e prescreveu. 
um livro que, devidamente lido, contemplado e refletido, oferece material para que o buddhismo seja incorporado à vida de uma forma que leva a transcender nomes e adjetivos. sendo um livro cuja proposta é deixar claro o que é ser buddhista, leva ao entendimento final de que ser buddhista é só um meio para alcançar a suprema meta de ser coisa alguma. irônico, como é o dhamma do Buddha.



 


 

segunda-feira, 5 de maio de 2014

pancupadanakhanda

Os cinco agregados são dos temas mais presentes e básicos no buddhismo. E, talvez, dos mais difíceis de entender. Graças a nossa forma comum de conhecer o mundo, enxergando ‘coisas substanciais’, tendemos a naturalmente substituir o entendimento de um ‘eu substancial’ por um composto formado por ‘cinco agregados’ não menos substanciais.
Mas no buddhismo não é assim.
Uma frase citada por Richard Gombrich no livro ‘What The Buddha Thougth’, página 131, é potencialmente a frase epigráfica para toda a nossa jornada de compreensão pelo Buddhadahamma: “para o buddhismo não há substantivos, somente verbos”.*
O que isso significa? Significa que cada vez que pensamos em entidades estanques, ainda que como componentes de alguma outra coisa, estamos errando, estamos patinando, atolados no ponto do caminho que é o pântano da mente conceitual, com todo o seu rico, diverso e perigoso ecossistema.
Os cinco agregados “infectados pelo apego”, enquanto pensados como entidades, semelhantes a peças de um quebra-cabeça, permanecem “infectados”, que é como eu traduzo o ‘affected’ usado pelo bikkhu Anālayo no trecho abaixo extraído do livro 'From Grasping to Emptiness – Excursions into the Thought-world of the Pāli Discourses (2)', página 24, que me pareceu um maravilhoso desenvolvimento da frase candidata a epígrafe citada acima, no sentido de nos ajudar na jornada de corrigir nossa visão através da lente do entendimento e da reflexão.
Esta correção de ponto de vista me parece ser fundamental mesmo aos primeiros passos no Caminho prevenindo o risco de se enraizar na lama. 


Devido a esta noção inerente de um sujeito substancial capaz exercer controle, os cinco agregados [infectados por] apego são experienciados como corporificações da noção 'eu sou'. Do ponto de vista comum, o corpo material é 'onde eu estou', sentimentos/sensações são 'como eu estou', percepções são 'o que eu estou' (percebendo), volições são 'por que eu estou' (agindo), e consciência é 'por meio do que eu sou' (experiencio). Deste modo, cada agregado oferece sua própria contribuição para o afirmar da ilusão tranquilizadora 'eu sou'. Tais noções 'eu sou' são, contudo, superimposições errôneas por sobre a experiência, carregadas do senso de um sujeito autônomo e independente que consegue obter ou rejeitar objetos substanciais distintos.**

Os cinco agregados do ponto de vista sugerido pelo texto se tornam muito mais presentes e facilmente observáveis na nossa vida ordinária do que se pensados como entidades a serem 'procuradas' enquanto sentados em meditação formal, não acham?


*for Buddhism there are no nouns, only verbs.       


**Due to this inherent notion of a substantial subject able to exert  control,  the  five aggregates  [affected  by]  clinging  are  experienced  as  embodiments  of  the  notion  `I  am'.  From the worldling's point of view, the material body is `where I am', feelings are `how I am', perceptions are `what I am' (perceiving),  volitions  are  `why  I  am'  (acting),  and  consciousness  is `whereby I am' (experiencing). In this way, each aggregate offers its own contribution to enacting the reassuring illusion `I am'.  Such  `I  am'  notions  are  but  erroneous  superimpositions on experience, conveying the sense of an autonomousand independent subject that reaches out to acquire or reject discrete substantial objects.

Speech by ReadSpeaker