What is your language?

Bornes relacionados com Miniaturas

Buscando...?

domingo, 29 de março de 2015

eu também vou transcender

ser bom, ser ético, ser digno do que é dito ser humano não é simples nem fácil. quem tenta de verdade, sabe. embora a vida fique clara e leve quando se tem sucesso, o sucesso não vem sem alguma dor. pensemos que o comportamento ético dificilmente traz os ganhos que nos ensinam a valorizar e, geralmente, implica nalguma perda imediata e até posterior. poucos são os que se permitem perder.
mas essa dificuldade, esse passo gigantesco e árduo que é o exercício de ser bom, parece não ser suficiente para alguns...
não é raro, em palestras dadas por professores buddhistas, surgir aquela modorrenta questão: "mas não é verdade que todas as religiões podem levar à iluminação, professor?" 
não basta os caminhos todos estressarem a importância fundamental de ser bom, ser bom mesmo. os caminhos religiosos falam de ser bom como quase ninguém no mundo conhecido é. famosa a passagem do Buddha alertando aos seus seguidores que se aquele que, tendo seus membros serrados, nutrir raiva por quem os serra, não pode se considerar Seu discípulo. 
eis o tamanho do imbróglio. mas basta isso? que nada! o que preocupa as pessoas é igualar, de qualquer jeito, nibbāna, fusão com o universo, unidade com deus e por aí adentro no emaranhado de concepções sobre aquilo que ninguém sabe se é...
que me importa a iluminação a que você chegou ou quer chegar? absolutamente nada. me basta que você não tome meu lugar numerado, não estacione em fila dupla, não cante a minha mulher. funda-se com seu deus a vontade se você me deixar em paz na minha busca pela cessação. conte, inclusive, com a minha ajuda no que me for possível.
e não me venha querer dizer que o objetivo do buddhismo é o mesmo que o seu, que nós vamos para o mesmo lugar e tal. eu não quero ir com você. simples assim.
até onde eu cheguei na minha compreensão do Buddhadhamma, o Buddha ensina o nibbāna como sendo a solução. e nibbāna é apagamento, extinção. 
ponto. 
extinção do quê? de compor coisas ignorando que são compostas. é nesse aqui que estou. e aqui, me parece claro, só o Buddha ensinou isso, talvez para tristeza de alguns.
é possível que alguém mais tenha chegado, ou venha a chegar, no mesmo que o Buddha sem a ajuda do Buddha? quem sou eu para saber isso e que importância tem saber isso diante da tarefa árdua que é fazer o básico que certamente este alguém teve ou terá que fazer para chegar lá?
eu acho que é bom a gente pensar nisso um pouco e parar com essa mania de importunar os outros com o que só importa a cada um individualmente.

domingo, 22 de março de 2015

Cultivador da Sabedoria

Aceitando um desafio proposto pelo bikkhu brasileiro ordenado e praticando na tradição das florestas da Tailândia, Ajahn Mudito, eu me pus a traduzir a biografia do Venerável Paññāvaḍḍho (Cultivador da Sabedoria) escrita por Ajahn Dick Sīlaratano, com o conhecimento e a autorização do autor.
Ajahn Paññāvaḍḍho foi um dos pioneiros ocidentais na tradição mais antiga do buddhismo e, me parece, marcante por exibir em sua personalidade certas características paradigmáticas da cultura e pensamento ocidentais. Você concordará ou não se ler a biografia.
Tudo indo no ritmo que está, até o fim do ano entrego a última parte para revisão.
Mas como nos canta Gilberto Gil, num dos inúmeros ecoares de Dhamma que podemos ouvir dos poetas, "Tudo agora mesmo pode estar por um segundo...", vez ou outra, durante a empreitada, eu vou colocando trechos por aqui que eu achar relevantes ou que me causem forte impressão.
Estes que vem a seguir, me fizeram rir, de mim mesmo e de todos os outros, por conta da coincidência no estado de coisas um tanto distantes no tempo e no espaço. Nós gostamos tanto de nos enxergar diferentes, melhores e evoluídos, seja pelo conhecimento, seja naturalmente, pelo tempo que passa, como se o aperfeiçoamento fosse algo natural e espontâneo... 
Mas eu arrisco que um sintoma de que algum entendimento do Dhamma está ocorrendo é se, num momento, nos pegarmos meio que desacorçoados com a constatação de uma profunda estupidez...
Mas, seguem os trechos, que são a narrativa dos questionamentos e percepções iniciais que contribuíram para que o jovem Peter viesse a se ordenar como o Bikkhu Paññāvaḍḍho:

 "Peter começou cada vez mais a notar essas deficiências no local de trabalho. Ele percebeu quão ineficiente a empresa era, porque as pessoas estavam pensando em si muito mais do que em seu trabalho. A prioridade de muitos funcionários era chegar na frente, subir continuamente a escada do sucesso. Os mais determinados na escalada eram geralmente os que na verdade não sabiam muito. Eles eram espertos o suficiente pra subir, mas não hábeis em seu trabalho, e geralmente eram bastante ineficientes. Na empresa, o trabalho que você realizava importava menos do que sua posição dentro do grupo e as pessoas que você conhecia. Essa atitude não só levava a uma concorrência desleal, mas também à degradação do relacionamento entre os trabalhadores. Os funcionários viam-se, individualmente, como mais importantes do que os seus colegas. Para proteger o status, sentiam-se obrigados a obter a sua cota de sucesso e a obtê-lo antes dos outros. Em suma, colegas de trabalho se enfrentavam uns aos outros baseados em continuamente perceber o outro como concorrente."

 "O pós-guerra britânico estava entrando em um período de aumento do poder e liberdade, onde muitas das velhas estruturas sociais e culturais foram sendo desafiadas e lentamente corroídas. A comercialização da sociedade coincidiu com um aumento constante da riqueza material. O consumo havia se tornado menos conectado com necessidades utilitárias e mais com status e conforto. Para muitas pessoas, suas escolhas de estilo de vida e padrões de consumo começaram a sustentar sua identidade pessoal. O carro, os passeios, as maratonas de compras, as visitas ao pub local várias vezes por semana, as férias anuais no mesmo hotel no sul - aqueles eram os prazeres para os quais eles viviam e pelos quais se definiam."

"Muitos anos mais tarde, Paññāvaḍḍho explicaria sua motivação para ter se ordenado: 'a sociedade britânica se assemelhava a um enorme casulo emaranhado em que cada um de todos os seus membros conseguia ver outras partes do casulo, enquanto a coisa toda rodopiava sem qualquer propósito ou direção, e ninguém nela conseguia diferenciar o certo do errado. Pessoas formavam opiniões e teorias sobre quase tudo, aderindo-se a elas com toda força. Em pouco tempo, todos começaram a discutir e brigar, o que levou a greves, manifestações de estudantes e conflitos. A única escolha sensata foi, em silêncio, sair na ponta dos pés daquela bagunça enquanto todos estavam muito ocupados brigando e lutando para perceber'."

Divertido, não?


quinta-feira, 5 de março de 2015

você é luz. é raio, estrela e luar.

o wando disse. 
agrada a muita a gente.
também agrada qualquer visão de mundo que nos afirme parte de algo luminoso, transcendente, sublime e divino.
o buddhismo registrado nos suttas antigos, aquele considerado mais próximo do Buddha no tempo e no espaço, às vezes mela um pouco com nossas esperanças de sermos assim como disse o wando.
vejamos o corpo.
o corpo, naqueles suttas, é descrito como coisa repulsiva, fonte de preocupação, estresse, dores e odores. algo que nos engana, nos toma tempo, nos escraviza e submete para, no fim, vir finalmente a se explicitar tão apreciável quanto um cocô de cachorro.
nos resta a mente. 
mas que também não é lá esta coisa que queríamos que fosse. aquilo assim meio luz eterna, una com o 'universo', verdadeiro eu, raio, estrela e luar...
vejamos o que diz o Buddha no mahatanhasankhaya sutta:

 da mesma forma como o fogo é designado pela condição particular de dependência, dependendo do que ele arde – quando o fogo arde na dependência de lenha, ele é designado um fogo de lenha; quando o fogo arde na dependência de gravetos, ele é designado um fogo de gravetos; quando o fogo arde na dependência de capim, ele é designado um fogo de capim; quando um fogo arde na dependência de estrume de vaca ele é designado um fogo de estrume de vaca; quando um fogo arde na dependência de palha, ele é designado como um fogo de palha; quando um fogo arde na dependência de lixo, ele é designado um fogo de lixo – assim também a consciência é designada pela condição particular de dependência, dependendo do que ela surge.

ou seja, consciência é um fenômeno dependente como outro qualquer: olho, mais forma, mais faculdade de visão, é igual a consciência visual. ouvido, mais som, mais faculdade de audição, é igual a consciência auditiva. 
e assim sucessivamente.
experimentar isso de forma precisa, direta, sem intermediação intelectual parece ser o que possibilita conhecer a meta buddhista que é a segunda parte de tudo o que o Buddha ensinou, a saber:

“bhikkhus, tanto antes como agora o que eu ensino é o sofrimento e a cessação do sofrimento."

Speech by ReadSpeaker