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Buscando...?

quarta-feira, 26 de março de 2014

"Ai, meu deus!! Lá vou eu criar outra regra!!!"

Quem passa por aqui percebe que eu tenho um problema com autoridade. Se não percebe eu afirmo: tenho. 
Muito cedo, como digo em textos atrás, por volta dos dez, onze, comecei a notar a falta de sentido de deus, autoridade mor, simbólica de outras com as quais já me indispunha, mas reais e difícil de peitar.
Na minha lembrança, da que dizem ser caraterístico o falsear coisas, me incomodava tanta empáfia e onipotência para nenhuma presença, nenhum sinal, nadica de nada. É como lembro, podendo até ser isso mesmo.
Aí, já menos criança, surgiu o Buddha na minha vida. Um ser humano comum, embora não tão comum, então, mas aceitável. Um tanto divinizado pelas fontes que mo apresentavam, resultante de vir sendo moldado pelas necessidades humanas ao longo do tempo e do espaço, penso eu, mas ao menos não criara o universo! O que passou a ser minha via foi a busca pelo homem que despertou, e fui por ali, sempre atraído pelo Buddha que morreu com diarreia. Àquele outro, todo iluminado, deixando por onde encontrava.
E o Buddha histórico, com quanto mais dele me encontro, mais é fascinante e inspirador como nenhum ser divino consegue ser!
Estou terminando o livro What The Buddha Thought do acadêmico Richard Gombrich. Numa primeira leitura fica muito que só outras tornarão claro, mas neste final de livro, o capítulo sobre a construção do vinaya é especialmente agradável. Devo dizer que o livro me conquista logo no início ao descrever o Buddha como transformador da ironia em instrumento do despertar, claro que isso soa lindo para mim! O autor sustenta suas afirmações abordando o Buddha e seus sermões como resultados do seu ambiente sociocultural. Os ensinamentos, o pensamento do Buddha, conforme a proposta do livro, são esclarecidos como algo produzido sob um contexto e, contrariando o que uma consideração ligeira desta abordagem possa sugerir, de plena originalidade. E dirigindo às pessoas comuns de sua época, é um Buddha astuto, bem humorado, contestador e de ácida habilidade verbal.
Como eu dizia, do vinaya, o código de ética buddhista para a ordem monástica, é iluminador saber que o Buddha o foi construindo com base na tentativa e erro, nas palavras do autor. O Buddha ia elaborando as regras na medida em que seus discípulos iam fazendo cagad... cometendo deslizes que implicavam em problemas, conflitos internos ou má reputação perante as comunidades. Muito interessante que o Buddha, inclusive, não hesitava em voltar atrás em alguma regra dependendo do que fosse necessário. Num dos exemplos narrados no livro: em dada situação que virara problema, o Buddha proibiu que bikkhus instrutores tivessem sob sua guarda mais de um noviço. Num outro momento ele admite que para bikkhus competentes tal regra não valia. É ou não um mestre sem igual, este Buddha? Não é o tipo de mestre cujo argumento mais forte é o manto que usa ou a luz que emite, aquela mesma que só seres especiais podem ver... e acaba invariavelmente causando mais problema que solução.
Esse Buddha que vai pela minha cabeça, eu o vejo, diante de um imbróglio ou outro causado por alunos demasiadamente humanos, menear a cabeça, arquear sobrancelhas, coçar a testa e sussurrar levemente desencantado: "Ai meu deus! Lá vou eu criar outra regra!!!"
Apreciar o Buddha humano requer estudo, não creio que muito mais que isso. O Buddha divino requer outras qualidades, para mim mais difíceis de cultivar.
A virtude da fé é das minhas faltas mais evidentes. Mas quando alguém me convence por meio de exemplo, de coerência na conduta, ganha minha religiosa confiança, minha atenção e meu interesse crescentes. E o que me chega da vida e pensamento do homem que nasceu, despertou, ensinou e morreu aqui nesta terra impura me deixa cada vez mais carola.

terça-feira, 25 de março de 2014

uma introdução ao buddhismo a um cumpanheiro

no trabalho:
- jorjão, cê tem alguma religião ou tem nada?
ele sabe, mas pergunta porque quer ouvir alguma coisa da fonte. muito bom...
- eu sou buddhista, cara...
- hmmm... e no que cê acredita...? no Buddha? hehehe...
- no que acredito...? ó, a gente acredita que há um modo de ir diminuindo bastante o sofrimento, até acabar com ele. isso através de observação de si, sua mente, e do que está em volta... entre outras coisas, mas resumindo, é isso.
- hmm... mas você consegue...? você consegue dominar a mente...?
- não é tanto uma questão de domínio... é mais uma questão de conhecimento das coisas...
- hmm..
- a ideia comum das pessoas é que a gente vira uma espécie de planta... mas não é bem assim...
- hmm...
- o que ocorre é que com o conhecimento você vai ganhando um espaço para escolha...  vou tentar te dar um exemplo: sabe quando você vai num churrasco e escolhe se vai beber ou não? um dia cê pode escolher beber e ir na corrente do que vier... num outro você pode precisar dirigir, ou estar responsável por alguém e decide se segurar...
- hmm...
- então, no buddhismo a gente aprende que tudo ao nosso redor é como bebida, uma bebida que entra pelos olhos, ouvidos, boca etc. e nos embebeda, nos conduz, entorpece e influencia... ser buddhista é, basicamente, através do cultivo constante da atenção e do conhecimento que vem disso, aumentar o espaço entre nós e estas "cervejas" de modo a decidir se vamos seguir o fluxo ou nos conter...
- hmm...
- bom, tem mais coisa envolvida, mas basicamente é isso...

segunda-feira, 24 de março de 2014

a roda da vida gira para a direita

Se rejeitarmos o ātman* (ego, self), aquele que, imputando-se o nome e forma, performa o processo cognitivo, a divisão da consciência em nome e forma tem apenas o valor negativo de um ato que impede a cognição. Como tal, isto se encaixa muito bem no pratītyasamutpāda* entendido como uma cadeia de eventos que mergulha o ser humano na ignorância cada vez mais profunda de si mesmo.

*Grafia em sânscrito. Em pali seriam, respectivamente, atta e paticcasamuppada

Citação de Joanna Jurewics feita pelo acadêmico Richard Gombrich no seu livro What The Buddha Tought. Páginas 136/37.

If we reject the ātman, who,  giving himself name and form, performs the cognitive process, the division of consciousness into name and form has only the negative value of an act which hinders cognition. As such, it fits very well into the pratītyasamutpāda understood as a chain of events which drive a human being into deeper and 
deeper ignorance about himself." 



terça-feira, 18 de março de 2014

aquele alguém especial

todo mundo tem alguém especial. 
é isso? deve ser... se não todo mundo, ao menos eu tenho: aquela pessoa que me lembra, a cada encontro, que estou longe de ser o que penso, ou que gostaria de ser. aquela que me lembra do caminho sobre o qual gosto tanto de escrever.
aquela pessoa, tão desprezível se me apresenta, tanta aversão me desperta, me traz à realidade de que metta sobre a almofada é outra coisa. na ordinária vida fico feliz por não lhe desejar mal. é o que dá para fazer.
constrangido diante de mim mesmo lembro do sutta em que o Buddha afirma que não será considerado seu discípulo aquele que mesmo tendo seus membros serrados nutrir ódio pelos serradores. olho para o infeliz na minha presença e lhe desejo felicidade proporcional à distância que se mantiver de mim. e, sempre, que tenha um bom renascimento.
preferencialmente do outro lado de qual mundo seja que estivermos dividindo.
meditar em metta me parece ser paralelo às práticas tântricas de trazer o resultado futuro para o momento presente, quando tantristas se visualizam como seres puros, habitando mundos puros. sentado na almofada, distribuindo amor aos seis cantos, é estar neste estado ideal. 
mas a vida é a vida.
e não é só uma questão das pessoas que se tornam especiais daqui para a frente ou pouco antes. tem aquelas que marcaram e, até que possível o contrário, estão imperdoáveis. 
há coisas que só se perdoa sobre a almofada. ao primeiro encontro ou lembrança: é, ainda está longe o despertar!
catastrófico quando tais marcas são impressas por aqueles a quem temos o dever de amar, que idealmente serviriam de parâmetros para que desenvolvêssemos amor por todos os outros: nós, os pais. estes seres que podem ser tão terríveis. aí a dificuldade de perdoar em todo seu poder de frustração. 
ó vida.
devo me ater a este estado (miserável) de coisas? suportarei este encarar a dificuldade do perdão? que outra opção além de sentar, ou nem sentar, e me imaginar amando o mundo...? fazem bem esses momentos, é fato. isso já bastaria mas, além, é treino recomendado expressamente pelo Buddha como condutor ao nibbana, ao fim final, àquele estado em que amar, não amar, perdoar, não perdoar serão questões sem sentido...
é acreditar e seguir em frente e, no final das contas, grato à toda pessoa especial.

terça-feira, 11 de março de 2014

parei de meditar

parei de meditar.
o caminho é cheio de sutilezas, isso é coisa que se vai aprendendo. 
ajahn chah, numa palestra, fala que alguém o questionou sobre o motivo de aparentes contradições que via nas orientações que ele dava a diferentes alunos. ele explicou que diferentes pessoas tem diferentes caminhadas e se desorientam por desvios diversos, daí a necessidade de puxar alguns para um lado, empurrar outros para outro, segurar estes e largar aqueles... leio tantas coisas de ajahn chah que não sei qual palestra é, mas está por aí pela rede (ou em livros). você vai acabar achando, se for como eu. graças ao pouco mérito que creio ter acumulado, meu diálogo com os mestres se dá por esta mão. plantei limões, e com eles vou fazendo minhas limonadas. dependendo da sede chupo alguns in natura.
então, parei de meditar.
num tempo a meditação foi ficando uma coisa de outro mundo, por assim dizer. muita expectativa por alguma coisa especial demais, alguma revelação talvez, algum estado, alguma super visão... e isso atrapalha e muito desanima, porque você senta e levanta o mesmo, aparentemente. daí você para.
mas não abandonei a meditação. 
tomei distância para refletir e contemplar e estudar. dei um tempo.
quando quebrei a rotina do sentar forçosamente na busca pelo momento especial, a rotina nada especial da vida se destacou como fonte de prática e insight. porque sem o dhamma não consigo ficar, meus limões são de boa qualidade e fartos, descobri. só tudo isso.
e o momento de sentar de novo se impôs.
é aí que redescubro o valor da meditação. aquilo, que as expectativas e intenções passaram a ocultar, recupera o frescor. as rotinas se integram novamente. breves momentos de paz, modestas visões, diminutos insights com sua grandeza visíveis de novo, deixando marcas na mente e transpassando o ordinário de cada dia.
cada um é um. cada um com sua passada, seus tropeços, suas paradas. para mim, vai sendo assim. na impossibilidade de dizer algo, digo uma só coisa: se entrar nessa senda, nunca pare de meditar.

Speech by ReadSpeaker