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Buscando...?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

feliz

neste último escrito eu gostaria de desejar a todos que por aqui tem passado um ano novo cheio de realizações, alegrias e muita saúde.
sim, gostaria. 
como todo ser não desperto e, de acordo com o Buddha, não desperto é um sinônimo para doente mental, eu gostaria de muita coisa. em especial que a vida fosse bastante diferente do que é, principalmente que fosse mais obediente aos meus desejos. mas como aluno dos Despertos, eu tenho aprendido porque ela não é.
quer dizer que não desejo nada mais pra nós? 
com os Despertos tenho também aprendido que desejar não é o problema, desde que o desejo esteja em conformidade com a realidade. 
então, em primeiro lugar eu desejo que todos nós paremos com esta mania de pensar em "o ano novo". que besteira é essa? as coisas vão seguir seu rumo que, convenhamos, não está muito bom em termos globais. teremos alegrias e tristezas, muitos adoecerão, morrerão, tudo sem dar a mínima para as nossas esperanças e desejos.
porque é desta forma que as coisas são.
nosso corpo, por exemplo: seguirá fazendo aquilo que sabe fazer melhor, ir contra os nossos desejos, engordando, envelhecendo, despencando, doendo, adoecendo e morrendo. para nos iludirmos um pouquinho sobre a medida de controle que temos sobre ele, muitos sacrifícios teremos que fazer... e este é só um exemplo, mas o melhor de todos, que nos escancara a realidade do "ano novo". 
mas eu havia falado numa forma de desejar.
eu desejo que, justamente por contemplarmos o quanto este querer que as coisas sejam nos atrapalha a ver como as coisas são, possamos estar felizes a partir de agora.
que nós possamos, pois almejo isso para mim, realmente.
que estando atentos para o que agora ocorre, possamos descobrir o prazer de conhecer o alívio que surge do que cessa, o alívio do fim de um desejo, do fim de um anseio, o fim da perturbação do querer iludido, do movimento alucinado. que estejamos presentes no momento com a mente voltada para o prazer da sabedoria, que nossa mente se deleite em fazer aquilo para o que ela existe: saber.
se nós conseguirmos nos abrir para esta felicidade que vem do conhecer natural e pleno do que ocorre agora, por que vamos nos importar com o "ano novo"? todo instante não seria novo? esta alegria do saber a realidade não finda, a realidade está a todo momento.
diferente de nossas expectativas.
a realidade é este passar rápido, ininterrupto, composto de incontáveis eventos internos e externos que se condicionam e nossa vontade é só um componente do processo. se agirmos com a consciência disso, com a mente que aprende a saborear o saber a realidade, teremos menos ilusões sobre os resultados e mais paz com o que surgir.
que vivamos o nosso ano enquanto ele durar, que saibamos sorrir e chorar, gozar e sofrer e que nos deleitemos neste saber. que queiramos cada vez menos. que deixemos a vida ser o que é.
que evitemos nos embaraçar nos emaranhados da vida.
e isso não é o "ano novo" que vai trazer.





segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Je Tsongkhapa

 abaixo, o texto que mais estudei, em sua versão extensa chamado Lam Rim, durante o tempo em que estive sob orientação de professores ligados à tradição tibetana de Je Tsongkhapa
embora envolvido com o buddhismo desde 1995, só passei a me considerar buddhista quando ingressei no estudo e prática por meio desta tradição, em 1999. este texto fundamentou o entendimento do dhamma que sustento até hoje.
a versão é do livro "Bondade, Amor e Compaixão" de Sua Santidade o Dalai Lama, editora Pensamento.




Os Três Principais Aspectos Do Caminho

Homenagem aos principais lamas sagrados

Explicarei o melhor que puder
O significado essencial de todas as escrituras do Conquistador,
O caminho louvado pelas eminentes Crianças Conquistadoras,
Porto para os afortunados que desejam a libertação.


Aqueles desapegados dos prazeres mundanos, a lutar
Para que lazer e fortuna signifiquem dignidade, inclinados
Que são para a senda que deleita ao Buda Conquistador,
esses afortunados devem ouvir com mente límpida.


Sem a profunda convicção de abandonar a existência cíclica
Impossível deixar de perseguir os frutos do prazer no oceano da vida,
E mais: o anseio pela existência cíclica agrilhoa por completo o encarnado.
Que se busque, pois, de início, a determinação de abandoná-la.


Lazer e fortuna são difíceis de encontrar
E a vida se esvai: esse conhecimento
Converterá em seu oposto a importância dada
Às exterioridades da existência.


Se pensarmos sempre e sempre nas ações,
Em seus efeitos, que são inevitáveis,
E nos sofrimentos da existência cíclica
Converter-se-á em seu oposto a importância dada
Às circunstâncias exteriores das vidas futuras.


Se tendo assim meditado, não geramos, por um instante sequer,
Admiração pelo florescimento da existência cíclica, mas se, dia e noite,
Se faz presente a atitude de busca da libertação,
O pensamento de abandonar para sempre essa existência foi gerado.


E mais, se o pensamento de abandonar de vez a existência cíclica
Não estiver enlaçado à geração da total aspiração pela iluminação suprema,
Não será ele a causa da bênção esplêndida da iluminação excelsa.
Sim: que os inteligentes gerem a tão alta e altruísta intenção de se converter em iluminados.


[Todos os seres comuns] são arrastados pelo continuum de quatro torrentes poderosas
E atados pelos liames de ações muito duras de combater.
Na jaula de ferro da autopercepção [existência inerente], lá estão eles,
Aturdidos pela densa escuridão da ignorância.


Vezes sem conta já nasceram, e cada nascimento
Traz a tortura incessante dos três sofrimentos.
Ao pensar nas mães que caíram nessa rede,
Geram eles então a intenção altruística de converter-se em iluminados.


Sem a sabedoria que compreende o modo de ser das coisas,
Mesmo que tenham sido desenvolvidos, tanto
O pensamento de abandonar para sempre a existência cíclica
Como a intenção altruísta,
A raiz da existência cíclica não poderá ser exteirpada.
Pratica, pois, os métodos que te farão entender a manifestação dependente.


Aquele que, percebendo serem inquestionáveis
Causa e efeito de todos os fenômenos
Da existência cíclica e do nirvana,
E destruir, inteiro, o modo de percepção equivocado
Dos objetos [tidos como de existência inerente],
Terá, assim, ingressado num caminho que apraz ao Buda.

Enquanto se afigurem como separadas as duas compreensões
Da indubitabilidade da manifestação dependente
E do vazio - a não-afirmação [da existência inerente] - 
Não será compreendido o pensamento do Buda Shakyamuni.


Quando [ambas as percepções ocorrem], simultâneas, sem alternância,
E quando, apenas por ver a manifestação dependente como indubitável
O conhecimento preciso destrói por completo o modo de percepção [da concepção de existência inerente], 
Está completa a análise da apreensão [da realidade].


E mais: exclui-se o extremo da existência [inerente]
[Conhecendo-se a natureza] das circunstâncias externas
[Que existem apenas como designações nominais].
E, ao extremo da [total] não-existência, elimina-se
[Conhecendo-se a natureza] do vazio
[Como ausência de existência inerente e
Não como ausência de existência nominal].
Se for por ti sabida, dentro do vazio, a presença da causa e do efeito,
Não serás aprisinado pelas percepções extremas.


Ao teres compreendido com exatidão, do caminho
Os três aspectos principais, no que tem de essencial,
Procura a solidão e gera o poder do esforço.
Que logo chegues à meta final, meu filho!




quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

TEDxEdges - José Eduardo dos Reis - "Buddhism, Science and Reality"



Espere um pouco... Ele vai falar português...

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

durban

e a conferência termina mais ou menos como estava antes de começar.
sabemos agora, como sabíamos antes, que temos um problema.
sabemos agora, como sabíamos antes, que algo precisa ser feito.
e fim.
agora, o que efetivamente sabemos mas tememos reconhecer é que sempre precisamos de muito mais do que saber para mudarmos o rumo: precisamos chegar na beira do abismo, sempre, se não efetivamente começar a cair nele.
quando a desgraça cansar de bater na porta, arrombá-la, estirar-se no sofá da sala e tomar conta da tv, aí talvez façamos algo realmente.
eu, por aqui, vou observando. sempre fui de observar. mais ou menos como aquela coruja da piada que foi pintada de verde e vendida como sendo um papagaio: "aprender a falar ainda não aprendeu, mas presta uma atenção!!". sigo observando que as tanajuras, ou içás, 'caem' cada vez mais tarde! na minha infância brincava muito com elas. começavam a cair lá pelo mês de setembro. mas a cada ano tenho visto que demoram mais. só ontem eu fui achar uma no chão, andando meio desiludida, coitada.
quem sabe não é sinal de alguma coisa...

domingo, 4 de dezembro de 2011

dukkhinha continua

 no carro.

...ah, aí é aquela coisa chata de falar de deus e inferno e tal...
chato, filho?
ô...!
mas você respeita, né?
claro, né pai? mas não é fácil...! uma pessoa lá em cima no céu... um inferno embaixo da terra... nossa, nada a ver!
acho que se você tentar ver a coisa de uma outra forma talvez fique menos chato...
ah, tá! ... como assim?
tente ver tudo isso que é falado como símbolos...
... (começa aquela cara, aquela imagem maravilhosa e indescritível de uma cabecinha fresca pensando).
símbolos de coisas que existem dentro e fora de nós...
hmmm... como assim...?
onde colocamos os mortos?
enterramos eles...
sim... colocamos debaixo da terra. por onde passam nossos esgotos?
debaixo da terra!
então, tudo que queremos esconder, ou de que não gostamos, enterramos... colocamos embaixo da terra... o inferno é um símbolo para essa nossa atitude...
... (a cara começa a brilhar).
o que você mais gosta de fazer... em casa... passa aquele tempo todo e eu até implico com você?
hmmm... origami...?
e isso é o que? é criar, filho! você tem uma enorme vontade e prazer de criar coisas, né?
é... acho que é...
deus pode ser um símbolo para esta energia de criar também, filho. esta energia que todo ser humano tem e precisa ter... pegamos isso e transformamos numa pessoa, pra poder até entender melhor...
é mesmo! eles falam que deus criou tudo, né? nossa! tudo começa a fazer sentido!
ha, ha, ha, ha...! tá vendo como muda quando a gente pensa de uma outra forma?
é!... é legal!
totalmente diferente de negar, descartar, jogar fora, né?
hehehe
a gente precisa sempre pensar nas coisas, filho. quase sempre a gente descobre algo de bom... dificilmente alguma coisa é totalmente inútil...
...
com relação a este assunto, a gente corre o risco de cometer o mesmo erro de quem acredita sem compreender: não compreendem e acreditam; não compreendemos e negamos!
é... é mesmo... 
...
vou falar com meus amigos...
isso eu não aconselho, não... daqui a pouco vão me chamar na escola pra dizer que você tá pondo coisa na cabeça dos outros... espera mais um pouco. pensa mais no assunto, compreende melhor você primeiro.
...
...
...
nossa... que da hora!! acho que não quero ser mais astronauta, não... quero ser filósofo!
hahahahaha...

terça-feira, 29 de novembro de 2011

medo

em verdade temos medo.
pego mais esta emprestada do drummond para falar que nós, buddhistas, temos medos. e vou falar de um aqui, ou dois, se as idéias fluirem bem.
tenho percebido que nós, buddhistas, temos medo de parecer pessimistas. temos medo de que as pessoas saibam, porque até nós mesmos temos medo de saber, que o Buddha afirmou que a natureza da vida é o sofrimento.
bom, o Buddha não falava português, então Ele não usou a palavra 'sofrimento', mas sim 'dukkha', que pode ser traduzida por sofrimento ou outras palavras que estão mais ou menos ligadas a sofrimento, mas nunca a uma coisa boa ou desejável.
e sem dúvida que isso parece pessimismo.
me falaram que o papa paulo ll fez algumas observações neste sentido, de que o buddhismo seria pessimista. dado o respeito que temos pela instituição católica e seus representantes, isso só faz aumentar o nosso medo. eu, caso ele realmente tenha afirmado algo assim, concordo com o papa. do ponto de vista dele, e da maior parte do mundo, nós somos pessimistas. eles acreditam que a realidade foi obra de uma entidade plena de amor e bondade, com um propósito bem definido, logo, a vida, fundamentalmente, não pode ser associada ao sofrimento. bem simples assim. uma visão que, de fato, está de acordo com nosso natural apego à vida, se não for fruto deste.
temivelmente para eles e para nós, buddhistas, as coisas não são assim.
o Buddha ensina que a existência é fruto de um processo contínuo de condicionalidade, sem começo, sem propósito. despertou para este fato e declarou taxativamente, como registram as escrituras antigas, que 'todos os fenômenos condicionados são dukkha'. por mais que possamos nos retorcer e nos esconder nas sombras de nossas próprias visões, raciocínios e amedrontadas elucubrações e esperanças, não conseguimos escapar completamente da intensa luz que emana daquela sucinta frase do Buddha: todos os fenômenos condicionados são dukkha.
e, em verdade, temos medo.
justificável pelo nosso instinto, nossa cultura, nossas impurezas mentais. mas não aceitável.
um fator que penso ser responsável, e do qual parece que poucos suspeitam, é que nós não confiamos no Buddha. nós recitamos cânticos, fazemos prostrações, até meditamos e tomamos preceitos, mas tudo fica alí pelo neocórtex. porque se confiássemos no Buddha não sucumbiríamos ao medo. o Buddha não parou na constatação do problema, o Buddha não disse que a existência é dukkha e ponto final, Ele afirmou que o fim de dukkha é possível e definitivo e que há um caminho ao alcance de todos para este fim. há o Nibbana, o fim completo de todo sofrimento.
mas quem de nós está interessado no Nibbana? e aí pode estar um outro fator que nos mantem nas mantas do medo: o Nibbana, pelo tempo afora, foi-se tornando esquecido. tornou-se, convenientemente para nossa ignorância, um mito. quanto menos se fala do Nibbana, mais o nosso medo se sustenta. e, em verdade, acabamos a temer também o próprio Nibbana.
apesar de parecer que não, pois falamos do Nibbana. mas ele foi transformado para caber no nosso medo: virou um paraíso, um bem, um tesouro. e deixou de ser aquilo que o Buddha ensinou: o fim da exsitência condicionada, o fim de dukkha.
assim nosso medo se fortalece, pois não temos nada a oferecer quando nos acusam de pessimistas, só o Nibbana, só um mito, uma quimera idêntica a de todas as outras religiões, para depois da morte, depois do julgamento ou depois de qualquer outra coisa. e olha só o que o medo e a estupidez fazem com a gente: tememos e nos escondemos do rótulo de pessimistas ao mesmo tempo que nos assumimos praticantes da religião que é, em verdade, a mais otimista de todas! pois é a única (que eu conheço) que afirma o fim de dukkha em vida. pois o Nibbana, ensinado pelo Buddha, e esquecido por nós, não é uma promessa para além túmulo. é uma realidade experienciável aqui, nisto que compartilhamos como existência.
temos o mais otimista dos mestres, a mais otimista das religiões e nos mantemos tremulamente encalacrados. alimentando nossa ignorância e temendo a dos outros.
não é até engraçado?
em verdade somos engraçados.


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

sem suco, sem fritas

...eu não tenho paciência... horrível isso, mas não consigo...
olha, paciência é uma coisa que surge na dependência de outras coisas. querer ter paciência já é perigoso. a gente perde a paciência com a gente mesmo por não conseguir ter paciência!
he, he, he... mas como é que a gente consegue, então?
eu acho que é preciso alimentar alguns pensamentos, algumas formas de ver a vida... com relação a formas de ver a vida, eu acho que é um fator importante que nos dificulta a paciência... nós temos o senso comum de achar que a vida é bela, uma graça, uma bênção. isto implica diretamente em nos considerarmos importantes, perfeitos, certos. nos vemos como o padrão de qualidade do mundo. logo, alguém que se comporta divergindo do que vemos nos é difícil tolerar.
hmmm
então, o que me ajuda muito a ter paciência é ver a vida de um  modo que para mim está mais de acordo com a realidade. vejo a vida como o resultado de um conflito na fuga da dor. estamos todos em conflito na nossa fuga da dor, todos nós, eu, você, as minhocas, os tatus-canastra.
hehehe.
a essência de viver é este fugir, e nessa fuga nos trombamos uns contra os outros.
hmmm
li uma frase do Saramago: somos todos uns pobres diabos. é o resumo perfeito do meu mestre das letras. se enxergamos a vida sob este ângulo mais realista, de que somos todos presas em fuga, a paciência, a tolerância e até um pouco de compaixão põem a cabeça pra fora do nosso lamaçal interior. nós temos a certeza de que a felicidade é uma questão de ter mais prazer. mas me parece que, na verdade, é uma questão de ter menos dor. se eu penso assim, a percepção das situações em que a dor aumenta se aperfeiçoa e aí a paciência revela sua real importância como fator que evita mais dor. e começa a surgir sem tanto esforço, vai-se tornando natural. naturalmente vai surgindo... podemos perceber que o nosso mundo não precisa de mais conflito, não devemos ser fonte de mais conflito e dor, a irritação começa a doer...
é... faz sentido...
muito sentido. é oriundo da minha forma de praticar o buddhismo, mas tem um sentido que não depende de ser buddhista para enxergar...

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

baldrian, o coelho

desde quando, já faz tempo, assisti a este desenho da TV Cultura de SP tenho procurado por ele. eis que agora encontrei.
é uma fábula bastante impressionante, justamente por ser destinada a crianças bem pequenas, eu acho.
valem os minutos para qualquer idade.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

engagement

há um sutta (sedaka sutta) que conta uma história mais ou menos assim: um acrobata e seu aprendiz fariam um número em que um se equilibraria sobre o outro. o mestre acrobata diz ao aprendiz que se um estiver vigilante para com o outro tudo correrá bem. o aprendiz discorda do mestre e diz que melhor seria se cada um se mantivesse vigilante para consigo próprio. o Buddha concorda e elogia o aprendiz explanando o valor da vigilância sobre si com respeito ao bem-estar do outro.
mantenho este princípio sempre na mente. e ele me parece apropriado para que eu desenvolva a ideia a seguir.
de vez em quando me deparo com mensagens e textos que apelam para algo chamado buddhismo engajado. não sei bem do que se trata. mas não sei se preciso saber. pois eu vejo redundância nesta expressão. existe buddhismo não engajado? existe gente que pratica meditação, que vai a retiro, que lê sobre buddhismo e até frequenta grupos. podem até chamar-se buddhistas. mas se o forem, terão necessidade de acrescentar o termo 'engajado' a isto?
eu acho que não.
penso que não há como ser buddhista, principalmente se baseado naquilo que está registrado nos suttas em pali e nos autores que se referenciam naqueles textos, e não se preocupar com, e agir com respeito,  a realidade que circunda. com o sofrimento, a injustiça, o meio-ambiente, a ética. está tudo lá e me parece ser um desenvolvimento que ocorre naturalmente na medida em que nos tornamos mais sabiamente vigilantes com respeito a nós mesmos. de forma que buscar por um engajamento buddhista redunda em buscar por ser buddhista.
durante uma época da minha vida eu trabalhei, brevemente, com um grupo religioso não buddhista de caridade. não me arrependo nem um pouco. ajudei, fiz bem, colaborei com o bem-estar de algumas pessoas. mas dos bastidores eu não guardo lembrança tão enlevante. em algumas reuniões da direção em que participei, senti haver um certo clima muito parecido com o de atividades menos beneficentes: competitividade, vaidade, arrogância, presunção, entre outras. para mim um claro exemplo daquilo que o Buddha quis delinear com a narrativa da ideia do mestre acrobata. visar o outro até dá certo, até ajuda, mas o que efetivamente funciona é vigiar a si mesmo.
este texto, o prof. david loy conclui com o seguinte questionamento:
"é hora de levar nossa prática espiritual para as ruas?"
eu acho que depende.
se realmente for a nossa prática, tudo bem. e o que eu quero dizer com isso é que se formos participar de uma manifestação contra o capitalismo selvagem, é preciso que saibamos a quantas anda a nossa própria forma de consumir e capitalizar; se formos participar de ações de caridade, é preciso que saibamos o quanto somos generosos, em variados sentidos, com respeito àqueles que estão próximos de nós: amigos, familiares, colegas de trabalho...; se formos nos manifestar contra a corrupção, é preciso que saibamos como nos comportamos quando temos a oportunidade de levar algum tipo de vantagem a que outros não tem; e assim por diante.
quando vejo que há tantos milhares de manifestantes contra isso e aquilo, me pergunto se caso esses mesmos milhares fossem o exemplo daquilo pelo que lutam haveria necessidade de tantas manifestações...
é claro que a ideia que expus aqui é o caminho mais longo e difícil, mas a realidade nos garante que nunca houve ou haverá outro. ou é assim, ou o tal buddhismo engajado nada mais será do que mais uma celebração da superficialidade humana que até pode ajudar a algumas pessoas, mas que ao dhamma, e por dhamma eu entendo também a solução definitiva, não ajuda em nada.

***

dia destes, mais ou menos assim, me foi narrado o seguinte:
"e eu estava lá, na fila do caixa, aguardando. quando finalmente chegou minha vez a operadora me disse:
és uma pessoa muito calma, não é?
sim, talvez sim... por quê?
eu estou aqui a te observar todo o tempo... chama à atenção... dá quase para sentir tua tranquilidade..."

para mim, um significativo exemplo de buddhista que prescinde completamente, com vantagem, do termo engajado.


sábado, 22 de outubro de 2011

onde tudo começa

dia destes numa reunião de trabalho houve uma breve digressão sobre segurança no trânsito. o digressor peguntou 'onde começa o acidente de trânsito?'.
cri, cri, cri, cri...
e ele disse 'no momento em que você entra no carro!' e falou sobre tudo o que, num encadear de ocorrências, pode levar ao acidente: estado de espírito, humor, problemas, preocupações, etc.
do ponto de vista tibetano podia haver um bodhisatva ali; do católico, a bênção de são cristóvão; do meu, iddapaccayata.
e pensei na fala do Buddha 'kondana vê, kondana vê!'. e em ajahn chah que nos instrui a estar atentos para o dhamma a nossa volta.
o cara resvalava no Buddhadhamma.
em momentos assim eu sinto o dhamma tocado pelas pessoas. como a gente chega perto do dhamma. como há olhos por trás da poeira.
mas pode ser assunto para outro dia. e, realmente, preciso economizar assunto.
para hoje um paralelo com a meditação é óbvio e breve.
onde começa a meditação?
a gente senta, e busca se concentrar e tal, mas tem tudo o que veio antes frutificando naquele momento. o sentar para meditar, como qualquer momento da vida, ensina o Buddha, é resultado do que veio antes. há fatores que podemos influenciar, apesar de todos que não podemos. e para aqueles que podemos o Buddha nos ensinou a atenção vigilante, a disciplina, yoniso manasikara... podemos conduzir a nossa vida como um contínuo "meditar". e quando sentarmos a coisa só continua num nível diferente. talvez com menos acidentes. talvez com menos expectativa. talvez mais preparados para o que pode acontecer.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

eu acredito - 2

o diálogo foi mais ou menos assim:
como assim? você não crê em deus!?
não.
mas, e tudo a sua volta!? quem fez tudo isso??
é complicado... mas dá para dizer que foi ninguém.
ah, tá! tudo veio do nada...!
não é assim. eu disse que pode ser complicado...
tá bão, tá bão... mas você não tem medo da morte?
ainda tenho. mas mais de noite do que de dia...
haha. mas e daí? morreu, acabou?
pode ser complicado... mas dá para dizer que eu não sei.
não sabe? e você não se importa? não quer saber?
quero, claro que quero. mas prefiro não saber do que acreditar que sei.

E foi o que me trouxe a tentar escrever a continuação do título.
O "2".
Uma continuação do "1".
E a menção a um 'sentido' foi que me pôs a pensar.
A necessidade de um sentido para isso tudo aqui. Um propósito, um plano, como boa parte das religiões põe a acreditar. É um impulso muito forte este. E a minha compreensão do buddhadhamma, até aqui, me faz confiar intensamente no Buddha por que entendo que ele afirmou muito claramente que não há sentido algum! As coisas surgem e cessam muito veloz e ininterruptamente sem qualquer propósito a não ser surgir e cessar e ponto final.
Ou não.
Ponto final, não. Há dukkha. A dor de querer existir numa realidade que é puro movimento. E, talvez, a dor de buscar um sentido no que é pura manifestação. Dois quereres intrinsecamente atados.
E a mim, o Buddha diz que precisamos fazer as pazes com a falta. Cair. Nos manter conscientes da queda sem sentido que é como as coisas são.
Será que dá para vislumbrar um sentido nisso? O sentido da vida é o Despertar para a falta de sentido?
Não sei.
Mas sei que é preciso um Buddha, um Desperto que nos aponte a realidade e nos mostre como conhecê-la.  De outra forma o surgir é só surgir, o cessar é só cessar e não nos damos conta disso. Permanecer neste processo não dá qualquer sentido.
Duro de aceitar.
Dukkha de aceitar.
Aceitar pode não ser o sentido. Mas liberta.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ha!... grande novidade...!

Deveria ter escrito antes. Já faz algum tempo que estou remoendo estes pensamentos e este texto saiu agora e agora eu vou escrever nenhuma novidade. 
Como sempre, aliás. 
Mas, na verdade, acho que quem quer novidade não deve passar em blog buddhista. E muito menos por este aqui. As atenções por este caminho aqui estão muito mais voltadas para o velho, o antigo, o fim, a perda, a separação, a cessação, a morte, enfim, para os outros cinquenta por cento do processo de existir. Aqueles que a gente evita. Somos bípedes tentando caminhar com um pé só: um passo é o surgir o outro é o cessar. Mas queremos andar só usando o surgir, quando usamos o cessar, costuma ser de leve, rapidinho e de olhos meio fechados. Resulta em tropeço e queda, talvez. 
E tentamos cair com o surgir bem firme no solo.
Mas como eu começava a dizer, aquilo sobre o que eu deveria ter escrito, é que uma das coisas que me trouxeram ao theravada, ou ao buddhismo registrado nos suttas em pali, foi sati. Esta palavrinha, quando a ouvi (ou li) pela primeira vez, não me lembro onde nem como, reverberou em alguma coisa aqui por dentro. Ruminava e ruminava e buscava encontrar uma explanação sobre aquela palavrinha tão interessante. Uma vez perguntei a um monge ordenado numa das tradições tibetanas: "como é este negócio da atenção plena?" e ele abordou pelo lado da tomada dos preceitos e tal, que tomar os preceitos ajudava a manter a mente alerta e tal e não foi a resposta que resolveu plenamente o meu problema. Eu achava que tinha mais na tal de sati
E segui insatisfeito e procurando.
Achei o theravada: sati! Aqui se fala de sati! E achei o satipatthana sutta! Deleitei-me neste sutta. Sem apreender muita coisa na época, e tenho muito ainda que estudar, ler e refletir, praticar, enfim... Mas foi o grande momento para o meu caminhar. 
Quando eu li o Buddha dizendo que precisamos manter a plena atenção ao urinar e defecar, esta frase causou mais impacto na minha mente do que qualquer mantra sagrado que já houvesse recitado, qualquer instrução sobre a radiância da mente original que tivesse ouvido, qualquer descrição de reinos acessados por jhanas profundos... Foi um potente "ISSO! É ISSO! É POR AQUI A TRANSCENDÊNCIA QUE EU PROCURO".
E assim está sendo a minha busca. Neste corpo, nesta mente. Nas coisas ordinárias e comuns. Na morte nossa de cada dia. No relaxar a mente e ver o mundo acabando. Tentando levantar e caminhar com os dois pés, o surgir e o cessar. Enfim.

***

dia desses um kalyanamitta me disse: "e aí, quando vai montar seu grupo de estudo? para falar de dukkha, dukkha e dukkha? (rsrs)"
"iiih... hehehe... ninguém gosta de ouvir sobre dukkha!"

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

paradinha

O Buddha disse: Todos os fenômenos compostos são impermanentes. 
Tudo bem.
O Buddha disse: Todos os fenômenos são vazios.
Ok.
E disse: Todos os fenômenos compostos são dukkha (sofrimento, insatisfação, dor, angústia...)
E aí, nós: Bom... Veja bem... Vamos pensar um pouco...
Por quê? Por que damos esta paradinha?
Eu acho que é porque esta é pedra fundamental do Ensinamento, o começo de tudo, a Primeira Nobre Verdade, aquela que nos cega por não a querermos ver.
Aceitar esta verdade, crua, franca, direta e tão claramente anunciada pelo Buddha, é o grande passo para qualquer um que queira trilhar o Caminho desbravado por Ele.
Não é fácil, pois não é agradável. Gera reações instintivas e culturalmente fermentadas de aversão e repúdio.
E damos a paradinha.
A paradinha que pode ter um custo para o nosso caminhar. Porque nela passamos a conceber diversas 'rotas alternativas' ao Caminho. Enraizados naquela nossa aversão, começamos a tentar combinar dukkha com nossa vontade de que a vida seja aquilo que sempre nos pareceu ser. E é veja bem prá lá... E é peraí pra cá... E não é bem assim... E não conseguimos engolir que o Buddha tenha dito de forma tão clara e inequívoca que 'sabbe sankhara dukkha' - todos os fenômenos compostos são dukkha - .
Mas a vida, segundo o Buddha, não é o que sempre nos pareceu ser. Todas as alternativas que surgem a partir da paradinha, diferentemente daquela que os jogadores fazem ao bater o pênalti, acabam errando o gol, nublando a meta, escondendo o objetivo. Isso quando não se fica parado para sempre. 
Dada a dificuldade do fato, oras, é a Primeira Nobre Verdade afinal de contas! Não deveria ser de outro jeito! A paradinha é natural, quase que inevitável e não um mal em si. Mas as alternativas, isso é uma desgraça completa! Disso é que surgem os problemas. Fiquemos só na paradinha, pensando, matutando, refletindo, mas mantendo o pé firme nas palavras do Buddha: 'sabbe sankhara dukkha'. Talvez tenhamos tempo, o nibbana espera e o samsara, bom, o samsara é isso que nós não vemos aí...

sábado, 20 de agosto de 2011

espaço

vai haver um dia em que surgirá espaço
enquanto caminha
enquanto trabalha
enquanto dirige
enquanto
sem que soubesse
surgirá espaço

poderá ser
que enquanto caminha
haverá espaço para que o que vê
e goste ou não, passe
poderá ser
que enquanto trabalha haverá espaço para que o que surja, cesse
que enquanto dirige haverá espaço para que ultrapassem e sigam

sem que espere ou queira

o espaço surgirá
haverá esse dia

mas não anseie por ele
não conte as horas
nem as semanas
nem meses ou anos
apenas siga respirando
sem esquecer
sem contar nem mesmo as respirações além do que for necessário para parar de contar

e então
depois de surgido
e conhecido o espaço
vai saber:
surgiu
e há
e é assim
e foi por aquilo

e haverá espaço
para o espaço
surgir

sábado, 13 de agosto de 2011

eu acredito - 1

quando um ser nasce, eu acredito que sua mente (ou parte dela, não sei bem) não surgiu com aquele corpo. acredito que mente é mente e matéria é matéria. duas naturezas distintas. e acredito nisso porque o Buddha assim ensinou, ao que parece. é algo em que confio. porque o Buddha, e isso é uma coisa que eu sei, foi muito preciso e acertou em muitas coisas, Suas instruções dão resultado, Sua teoria é extremamente coerente, Seu Caminho não me decepciona. quanto mais eu me aprofundo e pratico, mais desejo me aprofundar e praticar. então, minha experiência pessoal me garante este ato de fé sem problema. 
porém, eu mantenho esta crença num compartimento separado. ela não é o que define e nem sustenta minha prática. 
quando acreditamos que a mente segue num processo de condicionamento de um novo ser após a morte física, isto implica na aceitação da doutrina do kamma como definidor de alguns aspectos da vida daquele novo ser: méritos definem coisas boas, deméritos coisas ruins. doutrina que o Buddha declarou estar além da compreensão intelectual. e esta, sendo uma crença, não imediatamente verificável por experiência, tem um caráter dúbio. por exemplo: um buddhista como eu crê que está praticando o dhamma libertador do Buddha porque assim seu kamma o conduziu, ou seja, as ações passadas condicionadas pelas intenções deste mesmo contínuo mental frutificaram agora para que tal contato com o Buddhadhamma ocorresse, ou se repetisse, acontecimento digno de regozijo e alegria, um fator motivador. mas o mesmo raciocínio pode, em momentos em que outros fatores desta vida condicionam um estado mental menos animado, circunstâncias que, sabemos, não são raras, levar a pensar que os méritos não foram tantos assim, pois veja quão difícil é a prática, quão desprezível eu sou, ou o quanto minha vida é impulsionada por necessidades e tão pouco por escolhas...!  e, num movimento vicioso, deixar claro para nossa mente obscurecida como será difícil acumular os méritos necessários para um bom nascimento ou despertar futuro! por essas, mantenho a crença no seu devido lugar.
e é no próprio Buddhadhamma que baseio este meu caminhar.
Ajahn Buddhadasa ensina que há três tipos de nascimento elucidados pelo Buddha: o convencional, aquele que todos conhecemos, o nascimento através dos órgãos dos sentidos que ocorre a cada contato estabelecido entre olhos, ouvidos, pele, etc. e seus respectivos objetos e o nascimento mental que ocorre a cada vez que a idéia de eu e meu surge na mente. e é a compreensão destes dois últimos nascimentos que é relevante para obter o resultado da prática do Caminho, a saber, o cessar de dukkha, pois nada mais que dukkha e o fim de dukkha foi o que o Buddha ensinou.
a compreensão destes dois já é bastante a se fazer, mas é a compreensão do que está aqui, ocorrendo agora, é só uma questão de vir e ver. 
posso, assim, deixar a minha crença lá, nem pensar muito nela.
o nascimento que me interessa é este que ocorre agora.
a continuar, um dia...

domingo, 7 de agosto de 2011

sem remédio

eu sabia dos seus problemas emocionais e/ou mentais já havia algum tempo. a gente sempre sabe dos problemas dos outros. raramente sabemos quando alguém faz o bem ou conquista algo bom ou tem algum outro sucesso na vida.
estavam sentados na salinha do café quando cheguei e conversavam sobre os problemas do filho de uma outra pessoa, problemas mentais semelhantes. e a conversa indo e disse:
"mas você está bem agora! o que você tem feito?"
querendo, claro, alguma ajuda para o filho, cujo problema parece que se agrava, querendo nome de remédio ou de médico ou do que pudesse aliviar, como fazemos quando estamos chegando perto do fim da linha. e a resposta, que me levou para dentro da conversa, foi:
"olha, com o que eu mais me dei bem foi com meditação!"
"qual medicação!?"
"meditação. me dei bem com a meditação!"
"ah!"
e eu entrei...
"que interessante!"
e falou sobre como a meditação ajudou e eu disse algumas coisas a respeito e a pessoa interessada não se interessou muito mais e foram precisando voltar para o trabalho e acabamos ficando só nós dois, os meditadores, conversando por mais um tempo.
fiquei então sabendo da gravidade do problema pelo qual passara, que envolvia alucinções visuais e auditivas, bipolaridade e desorientação temporal. não disse qual o diagnóstico mas me pareceu bastante grave. conheceu a meditação via um curso da turma do maharish maheshi yogui, acho que é assim que escreve.
mas o mais interessante para mim é que as coisas começaram realmente a lhe funcionar quando, segundo suas palavras, foi adaptando o que aprendera para o que eu identifiquei como uma aproximação ao vipassana. descreveu que sua rotina de prática se resume a manter-se atento ao que ocorre na mente. a começar quando acorda pela manhã, mais ou menos como disse: toma consciência de que acordou, toma consciência do corpo, dos sentidos, dos pensamentos. mantem-se atento durante o dia, ao perceber alguma alteração emocional, analisa, questiona, investiga, lembra de que respira e abre espaço entre si e o que acontece. ao deitar-se para dormir, mantem o foco até adormecer.
e assim, tornando-se um observador de si mesmo, está a cerca de um ano sem tomar medicamento.
sob controle.
e era tarja preta retinta.
foi um tempinho de bate-papo e meu primeiro contato pessoal com alguém, fora do círculo religioso, que ralatou benefícios advindos da meditação, e de uma forma de meditação bem próxima daquela ensinada pelo Buddha.
que bom.

***

estamos todos enlouquecendo ou apenas tomando consciência do quanto somos loucos?
será que está na moda ser meio doido ou simplesmente não temos saída a não ser enxergar o fato?
cabem outras perguntas.
sem resposta.
tente agendar uma consulta com um psicoalgumacoisa, só por curiosidade, acho que vai ser difícil um horário vago.



domingo, 24 de julho de 2011

girando as rodas

Morar numa cidade grande com muitos carros é terrível. E numa cidade pequena com muitos carros também. Ou pode ser pior! Eu não cheguei a cronometrar mas sei que levo muito tempo percorrendo trechos muito curtos porque, de carro, os percorro muito mais  parado! Se é final de semana então...
Aí eu comprei uma bicicleta.
E como não pode deixar de ser, eu vi algo mais nisso do que simplesmente ganhar tempo e agilidade. Além de que o sedentário que dormita em meu ser exigiu boa argumentação antes de aceitar tão importante decisão.
Os benefícios para o mundo que geramos ao deixar o carro na garagem são bem conhecidos, mas contemplei alguns outros, como sempre, tentando manter-me sob a luz do dhamma.
O carro, sabemos, é o símbolo máximo de nossa sociedade de consumo. Fundamenta tudo que nos faz ser o que somos como civilização: infla-nos o ego, nutre nossa ilusão de poder e controle, condiciona nossas ambições e sonhos de liberdade, por ele cobrimos com liso pavimento nosso caminho naturalmente acidentado, ultrapassamos uns aos outros e nos tornamos velozes e furiosos. E quanto mais tecnologia, mais nos fazemos dependentes. Trocar estas caixas de devaneio por uma bicicleta nos coloca numa trilha bem mais real. A verdade de  nossos limites fica clara, e como os meus são exibidos, aliás! Confrontar o corpo pode ser um insight e tanto! Não poder ligar o ar, ter que esperar da natureza uma brisa ou a sombra, usar os ouvidos de novo como um sentido ao invés de só ouvir música, estar muito mais atento ao que ocorre e corre à minha volta, temer os cães ao invés de ameaçá-los ou nem se dar conta deles, tomar chuva, ofegar, parar para respirar e tomar água, descobrir como há ladeiras neste mundo e que os sobe-e-desce da vida são mesmo uma questão de ponto de vista, de onde se vem e para onde se quer ir, a conscientização de que chegar depende de, às vezes, ter que descer e empurrar não importando quantas marchas se tenha, enfim, é uma vivência muito mais orgânica do movimento, uma integração com o corpo que a poderosa mecanocinestesia dos automóveis faz esquecer.
E a dor muscular. Por enquanto, desconfio que tenha descoberto a única coisa permanente da existência!
Mas sigo feliz. E, ainda, esperançoso com respeito a frear o veloz avolumar-se da cintura, assentado no dhamma, girando as rodas e vigilante sempre, pois, claro, a mente ignorante dá um jeito de estragar as coisas como, por exemplo, quando se ouve coisa do tipo: 'ô meu tio, sai da frente com esta &#$@%!!!' E se pensa, do alto de umas imaginadas sabedoria e compaixão: 'ah meu filho, eu também já fui assim!...'

quinta-feira, 21 de julho de 2011

ligações

Seguem alguns links de interesse buddhista:

http://nalanda.org.br/pdf/famihuma.pdf
Texto de Ajahn Sumedho que trata do que o buddhismo tem a dizer sobre relações humanas. Disponibilizado pelo Centro de Estudos Buddhistas Nalanda.

Mais alguns do Nalanda:

- Sobre dukkha
http://nalanda.org.br/ensinamentos/dukkha

- Sobre meditar
http://nalanda.org.br/meditacao/mente-meditativa

- Sobre o Buddha e Seus ensinamentos
http://nalanda.org.br/sala-de-estudos/o-buddha-sua-vida-e-ensinamentos

- E alguns  áudios
http://nalanda.org.br/sala-de-estudos/podcasts


Blog e Site da Lama Portuguesa do buddhismo tibetano Tsering Paldron:

Respostas dadas pelo monge Ajahn Sujato a algumas questões disponibilizadas pelo site Bosque Theravada: (em espanhol)

http://bosquetheravada.org/2521-bhikkhu-sujato-responde

Exposição dos 52 Fatores Mentais (cetasikas) feitas por um aluno do Venerável Bikkhu Nandisena disponibilizado pelo site Buddhismo Theravada Hispano (em espanhol):

http://www.btmar.org/files/los_factores_mentales.pdf

Pelo mesmo site, entrevista concedida pelo Venarável Nandisena a uma emissora de TV espanhola: (em espanhol)
http://www.btmar.org/content/entrevista-al-ven-bhikkhu-nandisena-en-la-television-espanola-tve-2

E um áudio do Venerável Nandisena sobre o Nobre Caminho Óctuplo:
http://www.btmar.org/content/el-noble-octuple-sendero

E uma nova página do Acesso ao Insight que traz artigos sobre as interações entre a ciência e a meditação:
http://www.acessoaoinsight.net/meditacao_ciencia.php

E há aqui ao lado no "Mapas no Caminho"!
Bons estudos!









segunda-feira, 4 de julho de 2011

sem graça

Acharam que eu não fosse mais escrever por aqui. Eu também achei. Há estes momentos na vida: a graça some de onde havia. Depois volta. Este último ainda não é o caso.
E, para mim, tem havido fases de uma sensação de imersão tão acentuada no dhamma que a realidade ocupa o espaço todo. Não sobra muito tempo para pensar na vida.
Mas numa das subidas em que esqueço de lembrar que respiro, eis que conversava sobre esta, para mim, curiosa onda de alegria que assola o nosso avijja ambient: tem muita gente engraçada por aqui. E eu digo na mídia, especialmente TV. Muitos programas de humor, muita entrevista engraçada, muita novela engraçada, jornal engraçado, reportagem engraçada, concursos de piadas, graça para todo lado! É só uma impressão, pois eu fico sabendo que estão assistindo TV muito mais do que eu mesmo assisto. E ouço os comentários dos momentos hilários que são transmitidos e vejo as pessoas rindo. Não acho que rir seja algo sempre ruim, óbvio, nem me incomodo com a alegria alheia mas, no meu mundo, a Terra da Alegria está no mesmo continente do País da Estupidez.
Comentava o assunto com alguém que disse que "é por que a vida é triste..." Será? Não sei. Se for por isso ela deve estar mais triste do que sempre foi?... O que eu sei é que me enjoa. Rir demais cansa. Preciso de um pouco de tristeza vez em quando. E olha que enquanto pensava sobre o assunto, que interessante, me apareceu este texto que joga uma luz sobre uns pontos a que minha lanterninha não alcança. E, cereja do bolo, finalmente assisti ao Tropa de Elite 2 que é uma aula, do meu ponto de vista, dentre outras coisas, de auto-engano e boas intenções gerando maus efeitos, além de um balde de água fervente na alegria que se possa estar sentindo, menos aquela, talvez, de contemplar o fato de que não há felicidade no mundo.
Dito isso, a que conclusão posso chegar? A nenhuma! Desculpe a quem tenha insistido até aqui. Mas eu avisei, lá no começo, que as coisas estavam meio sem graça por estas bandas...

quarta-feira, 29 de junho de 2011

responder não ofende

O que é o buddhismo, afinal?
É o nome dado pelo Ocidente ao que foi registrado como sendo as palavras daquele conhecido como o Buddha. A palavra Buddha significa desperto, é um título, e foi dado a um príncipe hindu também chamado Sakyamuni, ou "sábio dos Sakyas", clã ao qual pertencia, após Ele ter proclamado o Seu Despertar. O Despertar do estado de existir ignorando a realidade.
O príncipe parece ter sido de mentalidade inquieta. Mesmo em sua juventude, sem ter sido tocado diretamente por ele, incomodou-se com o sofrimento da existência e num dado momento decidiu que mais importante que uma vida convencional era encontrar a solução para aquele incômodo. Depois de alguns anos de busca acreditou ter alcançado o fim que buscava, o fim do sofrimento, que foi a a sua profunda compreensão intuitiva da realidade, tornou-se o Desperto e passou a compartilhar seu despertar com todos que estivessem dispostos a ouvir. A Índia daquela época era fértil de gente disposta.
Pelos próximos quarenta anos ele seguiu ensinando o Seu Caminho que era cuidadosamente aprendido e praticado pelos muitos discípulos que conquistava. Algum tempo depois de Sua morte seus ensinamentos foram escritos e chegaram até nossa época e esta é a fonte daquilo que o Ocidente veio a chamar de buddhismo.
O que ficou registrado das palavras do Buddha, em resumo, foi que o sofrimento existe e deve ser meticulosamente investigado e conhecido; o sofrimento tem uma causa que deve ser abandonada; o sofrimento tem um fim, que deve ser realizado; há um método, um Caminho, uma disciplina que promove este fim, e deve ser praticada. Estas quatro afirmações são as Quatro Nobres Verdades. Nobres por que penetrá-las torna nobre o indivíduo que o faz. A visão de realidade realizada e proclamada pelo Buddha, aquela para a qual Ele despertou e que é o fundamento da funcionalidade do Seu método é a Condicionalidade. Esta visão postula que existir é um processo causalmente condicionado até os mais sutis aspectos. Assim, o despertar, o mesmo que o fim do sofrimento, é o fruto da interrelação de uma estabilidade de percepção que permita o aprofundamento da consciência desta realidade e da ação em conformidade com ela.
A pergunta feita acima surge de alguma dificuldade que existe em se classificar a disciplina do Buddha em alguma categoria do conhecimento humano. Comumente as pessoas dizem ora que o buddhismo é uma filosofia, outras que é uma religião, outras que é um modo de vida e, mais recentemente, tem surgido a idéia de que é uma ciência da mente!
Nenhuma destas classificações me parece errada mas todas, se tomadas isoladamente, são insuficientes. O Buddhismo é tudo isto e mais alguma coisa que surgir, talvez. E eu creio ser impróprio alguém se afirmar buddhista se não há cada uma destas categorias implicadas na concepção daquele que se afirma.
Quem sabe uma outra hora eu exponha o porquê de meu entendimento ser desta forma. Por enquanto acho que respondi a pergunta sem ofender ninguém.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

vídeo e mensagens



Após assistirem ao vídeo, dois amigos de dhamma trocam mensagens e chegam mais ou menos no que segue...

"onde estão as pessoas que faleceram? existem? estão bem? e as que
sofrem imenso e sem qualquer possibilidade de mudança? para que serve
todo esse sofrimento?"

"há respostas, e várias, para estas questões! um problema é que todas elas dependem de crença. nada mais nos é exigido a não ser que nos calemos e aceitemos a resposta dada.'
concordo com o que você assinala sobre o vazio que nos toma o coração, mas não que seja a análise do monge a sua causa. eu acho que o vazio se deve, num nível mais profundo, a nossa prória forma precária de experienciar a existência.'
o que o buddhismo nos propõe, me parece, é que enquanto abordarmos tais questões profundas com uma mente que opera enjaulada num nível tão superficial não há chance de sairmo-nos bem! e nos mantemos presas da crença, da frágil crença.'
o monge faz uma introdução (o buddhismo em 15 minutos!!!) brevíssima, mas espetacular, na minha opinião. um resumo de algo que precisamos compreender se quisermos caminhar na senda do Buddha. tal compreensão se dá em primeira mão, conhecermos a nós, nesta forma, é conhecermos o 'todo', o mundo. e este conhecimento estendemos ao outro. acho que só a partir daí começaremos a ter respostas satisfatórias para estas suas questões que não dependam de um calar-se e aceitar...'
grandíssimo abraço!"

A fonte do vídeo é o seguinte site:
http://an-news.blogspot.com/2010/12/psicologia-budista.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+an-news+%28AN-News%29&utm_content=Google+International

quarta-feira, 4 de maio de 2011

você é jovem ainda, jovem ainda, jovem ainda...

Nós envelhecemos e morremos. Mas a ordem é que permaneçamos jovens e imortais até que, enfim, morramos. O mundo gira para os jovens, lisos e belos, e é o que mantém o mundo a girar. Custe o que custar.
E custa.
Pois no pacote juventude vem fartas porções de irresponsabilidade, precipitação, impulsividade, estupidez, ignorância, futilidade, rebeldia, tolice, vaidade, ansiedade, obsessão e uma penca de outras coisas ruins pregadas a tudo de bom com que o vigor juvenil nos investe.
Até nas religiões está se valorizando os joviais, festivos e energéticos. Queremos mestres espirituais também lisos e belos, cerimônias animadas, queremos pular, cantar e dançar. Uma balada espiritual.
Nossos filhos tem poucos pais mas muitos amigos e quase nenhuma barreira para sua infantilidade ou cheia hormonal adolescente. Seguem pueris, bebendo, fumando, chingando, batendo, matando, se revoltando e procriando. Procriando coleguinhas com coleguinhas.
Nos enxergamos jovens enquanto consumimos o planeta que temos literalmente em nossas mãos graças aos incontáveis brinquedos dos sonhos com os quais podemos nos entreter agora.
É do que esta nossa vida precisa. Que nos mantenhamos encantados na juventude, que encubramos a dor,  sufoquemos a tristeza, não pensemos no fim recorrendo a tudo que atabalhoadamente nos é oferecido para possuir e depositar sobre a verdade dolorosa, mais por ser ignorada que devidamente conhecida, do tempo que passa e de tudo que cessa.
Da maré de citações e referências que sempre banha este blog, lembro da "A Queda" do Lobão, em especial a última estrofe:

Diante do medo um sorriso aeróbico
Nas bochechas a câimbra de uma alegria incompleta
Nada como um sorriso burro e paranóico
Para não perceber a velocidade terrível da queda

Percebo agora que começo a me repetir. É a idade.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

palavras

Lutar com palavras é a luta mais vã.
Fiz este copy/paste do Drummond porque foi do que eu lembrei enquanto refletia na dificuldade de expor o dhamma. 
Nenhuma novidade. 
É uma coisa repetida desde Lao-Tzu "o tao que pode ser proferido não é o tao eterno". Mas, nenhuma novidade também, nos emaranhamos repetidamente nas palavras, quer seja tentando compreender, quer seja tentando explicar. E se ficarmos satisfeitos com a explicação que recebemos ou damos pode ser sinal de que não entendemos, ou tínhamos entendido, realmente.
Queremos saber, por exemplo, o que é a mente. E lá vão e vem palavras e mais palavras, construções, raciocínios e o embolo só aumenta. 
Não é que as palavras sejam dispensáveis. Se o fossem o Buddha não teria passado mais de 40 anos pregando. Mas empacamos no meio do caminho entre as placas sinalizadoras que são as palavras e o caminhar efetivo que conduz ao entendimento. Voltamos as costas à trilha e ficamos a decifrar os sinais, suando os miolos.
Catamos palavras como se com conchas colhêssemos porções do oceano na tentativa de entendê-lo. Palavras são pedaços da imagem que compomos da realidade. Engrenagens e ferramentas que mantem o mundo do jeito que nos aparenta ser. Enquanto que o mundo que o Buddha vê e revela é um fluxo contínuo de manifestações experienciáveis das quais, viciosamente, insistimos em nos por a parte. Se Ele fez um recorte, se tentou uma palavra, é só porque não havia outro jeito a não ser render-se  à nossa limitação. 
Precisamos das palavras. Precisamos ler, estudar, debater, dialogar mas sem nos emaranhar. Sem confundir. Sem a esperança de que vamos entender alguma coisa do que o Buddha falou antes de ter experienciado lá onde as palavras não chegam. Lá onde não há lutas vãs. Na paz de uma mente incompreensivelmente pacífica e lúcida. E de uma forma que não consigamos expressar.

quarta-feira, 30 de março de 2011

espiral

Como disse o Chico:

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

Verdade.
E eu comecei o dia assim.
Meio de saco-cheio de existir.
Saí a cumprir minhas obrigações samsaricas de sempre e alguma coisa diferente: quebrar um galho de um amigo procurando por uma revista que ele não conseguia achar... Achei!
E um outro havia perdido todos os seus documentos na minha cidade dia desses  (madrugada dessas, precisamente falando...) e eu havia prometido ajudá-lo na tentativa de recuperar, já que ele não mora aqui. Me lembrei da promessa.
Resolvi, então, dar uma passada nos Correios, para onde já havíamos telefonado uns dias antes para saber dos documentos sem sucesso, mais por desencargo de consciência por ter prometido e me empenhado aquém do que deveria, e ver se os documentos apareceram por lá... E não é que lá estavam! Quem quer que os tenha encontrado devolveu até que bem arrumados! Logo telefonei para o moleque e deixei ele feliz! Mas o interessante (ou não muito, mais...) é que aquela nuvenzinha preta que sombreava minha calva permitiu a passagem de uns raios de sol bem luminozinhos. Fazer o bem me fez bem, nenhuma novidade nisso. O cara estava bastante chateado, havia perdido todos os documentos, aquela mão de obra para tirar tudo de novo! E eu, muito felizmente, pude começar o dia dele com uma boa notícia! E dar continuidade ao meu condicionando uma melhora de humor considerável. E como a vida, me esforço nisso sempre, é o Buddhadhamma, logo me pus atento ao fato, já observado por aqui em algum post, de eu ser, meramente, este complexo de condições que se movimenta e pensa e age carregando a ilusão de um eu! Surge uma nova condição, cessa outra, e é o que basta para que a ilusão ganhe nova aparência: o eu de saco cheio vira o eu alegrinho e vice-versa! A vida em seus loucos encantos, para ser breve.
E a prática do dhamma, me parece, segue como uma caminhada numa espiral em cujo centro se encontra o Despertar. É para lá que precisamos manter a cabeça voltada enquanto caminhamos... Se assim fazemos, nos mantemos atentos aos marcos que estão no caminho para o centro, e várias vezes os discernimos... Parece que vamos revendo-os a cada vez mais de perto... Não é como viver uma mera repetição de situações, como no caso da roda viva! Ou como caminhar pela espiral do Buddhadhamma com a cabeça voltada para o lado de fora, desatentos ou desinteressados de saber para onde vamos ou o que estamos fazendo. E, até, saltando para um braço mais externo da espiral vez ou outra...
Fazer o bem é bom para quem faz.
O Buddha nos ensina a ir além e transformar o bem alcançado em algo superior: estar bem é uma condição muito preciosa para ser desperdiçada no mero desfrute. Quase tão ruim quanto começar o dia ouvindo e cantando Roda Viva.

***

Eis que anatta é atualização do "Uma Palavra Por Dia - A Pali Word A Day"

segunda-feira, 28 de março de 2011

sabor

é o saber que liberta
nenhuma força, nenhum controle
esforçar-se apenas para permitir
a mente sendo o que é
livre para ser o que é
e cumprir sua função
sem interferência 
sabendo o que é o que
e emergir do saber 
em metta
na satisfação da bondade amorosa
por tudo
no amor de se saber
e saber o resto


sexta-feira, 18 de março de 2011

morte

Tenho estado com a morte há alguns dias.
O início se deu com a narrativa saramaguiana das fabulosas intermitências. Nos entremeios, surgiram um texto do professor Ricardo Sasaki (dhammacharya dhanapala) sobre a concepção buddhista do pós morte e um longo diálogo sobre buddhismo e renascimento com uns materialistas. Isso me manteve no tête-à-tête com a morte por estes dias, com a morte na cabeça... E aí veio o tsunami, num desgraçante arremate a escancarar-me como é que, para a vida e a morte, dois nomes que, bem pode ser, inventamos para um mesmo mistério, não somos em nada diferentes das formigas. Apesar de todos os valores e importâncias que projetamos no mundo, nossos reality shows, minhas HQs, os celulares, os iQualquercoisa, desejos e encomendas que não chegam, nossos relacionamentos e momentos, nada disso nos resolve. Dificilmente vão além do que fazemos ir em conformidade com a nossa reconfortante estupidez: formas de mantermos os olhos fechados para o fato de estarmos morrendo.
Estar de papos com a morte na verdade significa meramente  tentar fazer-se ciente dela que sempre está conosco. 
Como ensinou o Buddha, nestas temporadas é quando mais sinto que dou passos no Caminho. Tomar consciência da presença da morte ocupa a mente com a certeza e coloca a dúvida a meu favor. Aonde eu estou é onde eu devo estar e é onde se dá minha prática. Tudo tem que ser percebido como sempre é, dhamma, se eu habito na consciência do que é inevitável e certo. Meu caminhar passa a ser constante e reto com a meta a minha frente, imediata, pois não sei se há tempo para 'chegar lá'. Minha única incerteza é com respeito a quando o fato se cumprirá. Estar com a morte me mantém atento para a importância de respirar e notar os movimentos do corpo e da mente. Pois qualquer que seja, o fim do movimento é um só. Estar com a morte me mantém atento para a minha igualdade com as formigas, minha desimportância e meu poder.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

ansiedade e dukkha

A ansiedade pode ser o dedo que nos aponta dukkha.

Algo que oculta a percepção de uma das três marcas da existência*, dukkha, é o movimento. Movemo-nos e nos tapamos a visão, desperdiçamos a chance de conhecer diretamente dukkha, a insatisfação, a marca do dissabor e decepção que reside em todos os fenômenos condicionados. Como o é o nosso corpo. 
Sentados por um período e surge o desconforto. Postamo-nos de pé, então. E após um tempo o desconforto se mostra novamente para nós. Mas só o vemos o suficiente para disparar o movimento, como cães de Pavlov. 
Algo tão simples como uma postura qualquer e tanto que perdemos em sabedoria por cordeiramente crermos na aparente simplicidade.
A vida não é simples assim.
Da mesma forma que não sei nadar mas entro no mar, vou linkar uma conversa que tive sobre ansiedade com este parágrafo aí de cima.
O que é a ansiedade se não uma movimentação mental incessante em busca do que não está aqui e agora? A mente correndo para lá e para cá atrás de suas próprias projeções? Parece que a mente ansiosa, da mesma forma que acontece com o corpo, sente o desconforto do momento presente. E logo muda sua 'postura'. Eis aí, neste ponto, a grande oportunidade que, aliás, me parece ser o que permeia todo o buddhismo, uma doutrina que não dicotomiza a vida em claro e escuro, para não dizer bem e mal, de, sabendo o que fazer e para que, qualquer fenômeno pode gerar sabedoria. É possível, para o ansioso, desde que esteja apto ao esforço e ao objetivo do Nobre Caminho, enxergar o valor de sua mente inquieta  escancarado diante dos seus olhos.
Se continuo nesta minha audaciosa incursão por caminhos que conheço meramente via Google Maps, o raciocínio que naturalmente segue é que se a mente ansiosa muda sua 'postura' obsessivamente é porque sente o desconforto, a decepção que há no momento presente, o desgosto dos condicionados fenômenos que se lhe apresentam aqui e agora. O problema é então uma questão de, 'apenas', permanecer um pouquinho mais com a percepção ao invés de se permitir o instantâneo 'pula para outra coisa'! Não seria isso, ora bolas?! Veja, supondo que já haja uma percepção de dukkha, o problema é que ela é fugaz, ou "fugaziada" pelo automatismo desatento da fuga! Quer dizer, o ansioso tem razão, embora talvez tema vir a verdadeiramente saber, realmente é insatisfatório o momento, o problema é que o próximo, fato que lhe é ocultado por sua incontroladamente ativa , reativa e, não raras vezes, inteligente cabeça, também o será. Pelo menos enquanto não nos damos conta e não aceitamos isto. E para que tal aceitação surja precisamos experienciar o momento por inteiro, sem fugas, pulos e movimentos. Eis aí o que perde o ansioso, ainda mais quando Caminhante, se atabalhoadamente sofre sua ansiedade sem enxergar nela o poder que, na minha amadora opinião, parece ter. 
Eu, que faço parte da comunidade calva mundial, sei o quanto custa olhar no espelho e ver o que é refletido. Mas não há remédio além da aceitação e um corte legal no que resta de cabelo. Há quem prefira a peruca.
Não há quem goste da ansiedade (e de peruca?). Talvez, o ponto de vista que expus aqui sugira uma forma de lidar com o problema mais estimulante que a frequentemente vã batalha por sua correção e mais positiva que a aceitação obtusa e pseudoinconsciente de sua existência. Talvez, pela percepção sábia e presente, a ansiedade naturalmente se desgaste. Ou se revele chata, inútil, ilusória, cansativa e dispensável. Coisas que já sabemos mas não nos regalamos na experiência, que é o que efetivamente conta!
Seja como for, é uma receita que vem funcionando muito bem para mim (logo, não tão Goolge Maps assim!). Para cada coisa ruim que percebo, antes do desgosto (ou um pouquinho depois...), tento achar o que há para aproveitar do monte.

*Para uma breve explicação das três marcas, clique ao lado nas abas anicca, dukkha e anatta.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

ano novo e de novo

Ano novo. De novo.
Tudo muda. 
Da mesma forma. 
As mesmas desgraças se repetindo. Por que é assim: coisas ruins sempre acontecendo.  Em maior quantidade e intensidade, diga-se... Mas poderiam ser menos ruins, certamente. É o que parece. Está lá a Austrália para nos mostrar.
Entra ano e é desse jeito: gente como eu, como o Sérgio Cabral (talvez mais como eu...) morrendo, sobrevivendo talvez só para desejar ter morrido, perdendo tudo (muitas vezes mais uma vez) devido a coisas que deveriam ser evitadas. 
Li do Dalai Lama que há uma maneira menos tosca de ser egoísta: façamos o certo mesmo que pensando no retorno que pode vir. Será que o fato de tanta gente estar salivando por causa das Olimpíadas e da Copa do Mundo vai fazer com que haja uma ação digna das autoridades responsáveis? E eu quase escrevi autoridades competentes, mas não dá. Será? Será que o fato de o mundo estar olhando vai causar um sentimento de vergonha...? Não, é pedir demais! Fiquemos só no que propõe o Dalai Lama. Acho que a sanidade média dos nossos Líderes só chega até aí. Se menos gente sofrer, se mais sofrimento for evitado, tudo bem. Contentemo-nos. É o nosso mundo/mercado. Vergonha não combina com ele.
Seja como for, sigamos nos ajudando. Por que o barco está com um rombo e nossa tripulação padece dos terríveis males da ignorância e poder. 
Sempre há nuvens negras no horizonte tentando estragar o nosso carnaval. Mas nunca conseguem. 
Infelizmente.


Speech by ReadSpeaker