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sábado, 30 de março de 2013

familial

meu post anterior a este surgiu  de uma conversa que tive com meu pai, o filho da dona santinha, aquela que foi a encarnação da bondade e carinho nesta terra, de quem o filho caçula "só tem boas lembranças", uma católica fervorosa e piedosa que "só fazia o bem para as pessoas" e que eu não tive a felicidade de conhecer.
conversávamos sobre o atual câncer em família, o quarto nos últimos quinze anos. eu e ele estamos ainda no grupo dos que ajudam, apoiam, rezam e temem. cada um lidando com este medo da forma que sabe.
estas conversas sobre os grandes temas, doença, sofrimento e morte sempre rendem filosofadas. meu querido pai, nestes momentos, deixa transparecer a antiga preocupação com o filho único, tão precocemente ateu e que "pelo menos virou buddhista, graças a deus..." e ele me dizia, no seu arrashtado carioquêish que: a gente tá nessa terra para alguma coisa, rapá! ninguém vem pra cá sem uma missão!
não há o que discutir com um querido pai de sessenta e sete anos. há muito já foi o meu tempo de saber mais que ele. aos quarenta minha curtição é um não saber.
pode-se dizer que sigo à risca o conselho do velho: preciso acordar. mas não há missão alguma, pai. não estou aqui para alguma coisa, mas por causa de.
na dependência da ignorância, assim estou. o que fazer agora?
o Buddha me diz, ou melhor, eu entendo que o Buddha me diz que quando eu souber  completamente o que causa o meu estar aqui assim, aí mesmo deixarei de estar.
o saṃsāra, um vagar sem motivo que não o vagar, um vagar sem motivo ao qual pode-se atribuir infinitas missões.



terça-feira, 26 de março de 2013

deus me livre

"em vez de buscar deus - objetivo dos brâmanes -, Gautama sugeriu voltarmos a atenção justamente para o que, de Deus, está mais distante: o sofrimento e a angústia da vida na terra" está na página 202 do livro confissões de um ateu budista (stephen batchelor - editora pensamento).

a ciência foi destruindo nossas ilusões: éramos seres especiais sob o céu, ocupando o centro do universo; fomos perdendo a majestade. no momento somos animais entre animais, adaptados andando numa bolinha de água e rocha na perifieria de uma galáxia que é como poeira num espaço vasto e desconhecido.
o Buddha fez o mesmo com a religião já há mais de dois mil e quinhentos anos.
religiosamente nos cremos divinos, desde os brâmanes e antes e até hoje, precisamos dessa divindade, temos a fé de que somos obra ou imagem ou manifestação de algo maior, mais belo, mais mágico e com um propósito sublime.
o Buddha, me parece, deixou claro que não. somos só isso mesmo que se manifesta aqui: nascimento, envelhecimento, lamentação, dor, doença e morte. apesar de que, pelo tempo e espaço desde o advento do Buddha a Sua disciplina não tenha se mantido livre desta nossa ânsia pela divinização, qualquer um disposto a ver verá, se procurar nos textos e refletir na vida.
mas é preciso estar disposto mesmo.
o venerável +Bhante Katukurunde Ñanananda, na sua série de sermões sobre o nibbāna, mostra que o nibbāna não escapou de ser transformado em uma espécie de paraíso.
praticar o dhamma, em última instância, me parece ser o oposto de buscar um sentido ou uma salvação, é sim um limpar os olhos e olhar cada vez mais profundamente para o que há aqui e agora, por pior que seja e por pior que vá ficando, até aceitar que a cessação é o único jeito, até vencer toda a esperança, todo o instinto que nos torce o pescoço para o céu e nos obriga a sonhar um mundo.

Não é fácil encontrar o caminho para fora da loucura do saṁsāra. Fazer isso significa que devemos estar frequentemente preparados para ir contra a corrente, para ir na contramão desse mundo. Se é para seguir esse caminho até o seu fim apropriado, então se deve verdadeiramente ser maduro, resoluto e sério.
A realização total do Dhamma, acompanhada da libertação completa e desapego total do coração, conforme descrito nos suttas antigos é, sem dúvida, muito, muito rara, de fato. Mas ainda existe. Até hoje uma estrofe de um dos raros Sayadaws reverbera profunda em minha mente: “Quando você olhar mesmo as esferas sublimes mais altas da existência, as formas de inteligência radiante e jubilosa como uma cuspideira, então você está pronto para o Nibbāna”.
  
Ven. Ottama Sayadaw


segunda-feira, 18 de março de 2013

yaṃ kiñci samudaya-dhammaṃ sabbaṃ taṃ nirodhadhammaṃ

tudo que surge, cessa
simples assim
mas a gente pensa que precisa de muita coisa
não, precisa não
é só observar aquela certeza de que há alguém na janela vendo a banda passar


mas é o homem sério, é o faroleiro, é a namorada e é a moça triste, é a rosa, a meninada, o velho fraco, a moça feia, é a banda mesma, é a marcha e a lua cheia, é toda a cidade, a gente sofrida, é o toque, é cada canto 
é uma dor
que passa
só uma dor que passa
aquela certeza é uma dor que não se deixa passar com a banda



sábado, 2 de março de 2013

nem prá lá, nem prá cá, nem no meio

pensar cansa, eu disse, mas não pensar entorpece.  
a disciplina do Buddha é o não-extremismo extremo. 
às vezes o descanso de sentar em concentração. às vezes o caminhar da investigação. um alimenta o outro até que sejam uma coisa só. 
mas como temos a natureza do extremismo como disse o Buddha, em um sutta do qual não lembro agora, mais ou menos assim: 'este mundo só conhece o isso ou o aquilo', nós estamos sempre sob o risco de nos agarrar a alguma coisa como sendo a importante, a verdadeira, a real, ainda que isso contrarie a mais óbvia experiência que temos de que tudo cansa.
tudo o que é composto é capenga e, sendo capenga, carrega em si o potencial de nos doer quando não consideramos essa capenguice. é assim com a concentração, é assim com a reflexão. mas, dizem, não é assim com a experiência direta que surge da fusão equilibrada das duas coisas e que não pode ser verbalizada.
esta questão do verbo: o venerável bhante katukurunde ñanananda (visite +Bhante Katukurunde Ñanananda) tem domínio, joga sagazmente com as palavras transformando, compondo e criando ricos e didáticos significados em seus vários sermões, mas alerta para nos mantermos atentos à precariedade e à natureza perpetuadora da ignorância fundamental que as palavras possuem, principalmente os substantivos. mas não são dispensáveis. precisamos das palavras, dos conceitos até que não precisemos mais. dizem que saberemos quando isso acontecer. assim como com todo o resto da precária vida que pretendemos abandonar para jamais voltar. um descanso, precisamos; um refresco; uma alegria.
sem extremos.
não pensar também cansa, pensar pode entorpecer.

Speech by ReadSpeaker