What is your language?

Bornes relacionados com Miniaturas

Buscando...?

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

feliz 2013

a todos que passam, um feliz ano novo.
que tenhamos as melhores condições para nos dedicar ao que realmente nos importa.
que nossos esforços deem fruto; que nossas ações sejam recompensadas.
que possamos ser uma ilha para nós mesmos e uma boa companhia para os outros.

hiri, ottapa, satisanpajanna e yoniso manasikara.

visite:
+Bhante Katukurunde Ñanananda
+Budismo Antigo
+Budismo (todas as tradições)
todas no Google Plus

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

reencarnação? deixe isso para depois da morte

a gente encarna neste assunto desde os tempos do Buddha e antes: o que eu fui? o que eu serei? eu fui ou não fui? serei ou não serei?
no que o Buddha replica: você sabe o que você é?
o Buddha nos diz que nossa visão da realidade é distorcida, equivocada, doente, iludida. e é com base nesta visão, é desta perspectiva presente, que nos pomos a questionar o que virá.
aconteceu, algumas vezes, ter de responder se eu acredito em reencarnação. como é que vai se explicar isso? vem aquela história de que não é bem reencarnação pois tudo muda e tal... mas no fim das contas fica a sensação de que não há muita diferença na diferença que um buddhista, com algum conhecimento de anatta, vê e aquilo sobre o que pergunta o curioso.
o fato é que pensamos num tipo ou outro de continuidade tão impossível de provar quanto a existência ou não de deus. e, na minha opinião, tão fútil quanto.
na última vez em que fui questionado respondi que sim, acredito em um tipo de continuidade, mas que sei que acredito e não acredito que sei.
seria muito mais produtivo tentar apresentar para a pessoa a natureza distorcida de nossa visão de mundo, falar que nestas bases em que nos sustentamos a pergunta é desinteressante e inútil, que antes de nos preocuparmos com este assunto há outros mais pertinentes para nos ocuparmos e buscar corrigir e compreender... mas não chegamos perto disso e já correram ou mudaram de assunto. o que interessa somente é saber se partilhamos em algum aspecto da estupidez da maioria. aí, no fim das contas, em nome de alguma coisa que fica entre o enfado e a convivência amigável a resposta acaba sendo sim, acredito, me passa aí um pedaço de bolo...

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

nós nos amamos muito

temos uma danosa dificuldade de nos enojar de nós próprios. 
conhecer nossa doença, passo fundamental para o processo de cura, é coisa que dificilmente passa pelas nossas cabeças sempre ocupadas com a avidez de viver. nem mesmo reconhecer os incontáveis e óbvios sintomas que abundam em pensamentos, palavras e ações, principalmente ações. 
fugimos em manada. seguimos nos atropelando a cabeçadas. 
não falo de odiar-se, ou cultivar baixa auto-estima, não é isso. tais coisas me parecem ser uma outra face da moeda do egotismo. quem tem este tipo de problema parece não se enxergar merecedor da imensa paixão que sente por si próprio.
acredito que precisamos cultivar, como buddhistas, a capacidade de nos enojar de nossas condutas inábeis, aquelas que não nos aproximam da meta, do nibbana, do apagamento da chama, ou seja, nos enojar de muita coisa.
mas nosso amor não permite. 
os sinais podem ser vários que damos um jeito de 'não... não é tão grave', 'ele (ou ela) mereceu', 'me provocou', 'todo mundo faz', 'preciso viver!'... e por aí seguem as infinitas estratégias da paixão.
apontar o outro é sempre mais fácil, então eu, tirando proveito desta facilidade, vejo sempre isso, essa dificuldade das pessoas em dar ouvidos, olhos e atenção para si mesmas e para os efeitos que causam sobre o ambiente e os outros ao seu redor. nenhuma disposição para enxergar que mancamos, andamos meio tortos num mundo, por si, meio torto.
caso você tenha chegado até aqui vou dizer o porquê dessa nova mesma coisa de sempre neste repetitivo blog: estava lendo, numa comunidade de divulgação buddhista, sobre o problema das 'novidades' no buddhismo. discutiam sobre o pitoresco e os perigos das 'novas abordagens' que surgem cada vez mais, conforme o buddhismo vai se acomodando no ocidente.
as novas denominações religiosas sempre ganham a minha atenção, na minha região surgem inúmeras, qualquer dia eu conto, só na minha cidade, quantas diferentes existem e publico em algum lugar. e isso é um fenômeno desde que uma religião começou, o buddhismo não está livre hoje como nunca esteve ao longo de sua milenar história.
mas o que isso tem a ver é que aquilo que insisto sempre ser a abordagem do Buddha com respeito à vida é um poderoso sistema de defesa contra tais novos profetas. estivéssemos dispostos a abordar a vida como uma doença e a investigar sob tal abordagem, talvez fôssemos melhor blindados contra as propostas de melhoria que nos apresentam. uma vez que 'todo fenômeno composto é sofrimento' me aproximo de qualquer pessoa atento aos defeitos, às falhas, aos sintomas da doença de viver que ela apresenta. isso não é arrogância ou preconceito, de forma alguma, porque eu próprio, obviamente, me vejo desta exata forma. você pode dizer que é uma forma meio negativa de viver, aí eu respondo: é, pode ser...
confiando na fonte de referência que escolhi para conduzir minha existência, a palavra do Buddha conforme o cânone pali, tudo e todos me aparecem como capengas, em primeiro lugar. a partir daí as coisas pioram ou ficam menos ruins.
por outro lado, a abordagem da afirmação da vida, esta que nos é instintiva e, por consequência, cultural e religiosamente imposta é plenamente favorável ao surgimento de todo tipo de engodo uma vez que a própria postura afirmativa é o engodo máximo.
e eis um dos aspectos danosos da nossa incapacidade de nos enojar de nós próprios. sem a coragem de perceber e nos aprofundar em nossa própria doença, nos fazemos cegos para a doença do outro. se não nos convercermos da incompatibilidade óbvia entre a postura afirmativa da vida e o pensamento fundamental do Buddha vamos continuar a criticar, rir e apontar os problemas do borbulhar de novas novidades no mundo buddhista sem aprender o que, penso, isso tem a nos ensinar. muitas vezes inclusive, sendo bons e positivamente sábios buddhistas vítimas inconscientes do nosso amor pela vida e de algum dos seus profetas.
e podemos fazer algo com respeito aos novos iluminados e seus empolgados seguidores? não, claro que não. só podemos, como sempre, fazer algo a respeito de nós mesmos.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

tu és só isso

mente e matéria. 
nada mais. 
uma condicionando a outra. 
só isso.
não é uma descrição agradável quando contemplada cuidadosamente. implica em que no visto há só o processo de ver, no degustado só o processo de degustar, no ouvido só o ouvir, no sentido só o sentir, no pensado só o pensar. tudo começando só para acabar, começando a acabar já no começo. nenhuma testemunha para curtir ou dar um plus. onde não há ninguém, ninguém há para haver, apesar das aparências. esta mesma aparência que faz de tudo tão sofridamente frustrante. 
segundo a segundo; hora a hora; dia a dia; semana a semana; mês a mês; ano a ano; só isso.
aparência até o fim.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

a morte do ego

...essa coisa de matar o ego...! isso é impossível! ninguém mata ou anula o ego! 

tá. olha só, você está repetindo uma coisa que ouviu, leu ou recebeu por email. não tem conhecimento sobre, mas por direito pode falar a respeito. vou te dar um exemplo que, estando mais adequado ao seu campo de interesses, pode ajudar você a ter uma noção melhor do que está falando. 

ah... por favor! 

o isaac newton compreendeu porque as coisas caem e porque os astros giram em torno uns dos outros. elaborou equações pelas quais o mundo progrediu e tal. aí surgiu o einstein e boa parte do que disse o newton teve que ser reinterpretado ou mesmo abandonado em condições mais extremas, certo? 

certo. a relatividade ultrapassa a mecânica clássica em termos de precisão e derruba os conceitos de espaço e tempo absolutos. 

obrigado. pois bem, o mundo funcionou e, na maior parte dos casos, funciona muito bem sob as regras da mecânica clássica do newton. só na medida em que mais precisão é requerida é que entram as descobertas do einstein. 

tá, obrigado por me ensinar o que eu já sei. o que isso tem a ver? 

tem a ver que até certo ponto funciona e parece, incontestavelmente, real. é correto dizer que o einstein "matou" ou "anulou" a mecânica clássica ou a força da gravidade? 

não, ele só "ajustou" as coisas. 

é correto dizer que ele NÃO matou a gravidade clássica por que esta nunca existiu? 

... sim... é correto, sim...

então, o Buddha e ninguém depois dele, "mata" ou "anula" o ego porque o ego, conforme entendemos, nunca existiu. funciona, como a gravidade da mecânica clássica, mas a medida que nossa sagacidade mental se desenvolve começamos a perceber sua imprecisão e o castelo vai ruindo. essa "falta de precisão" que percebemos é, basicamente, o motivo da precariedade da felicidade ordinária do "ego clássico", falando nos termos da nossa analogia. 

... 

percebe agora? do ponto de vista buddhista não há que matar ou anular nada, só compreender um equívoco. quando uma pessoa acha que precisa de níveis mais "precisos" de felicidade ou realização, há o Buddha e sua disciplina para que ela teste. assim como para que o gps funcione é preciso que a troca de informações entre os satélites e os receptores seja calibrada levando em conta as distorções do espaço-tempo.

...

só isso.

...

eu vou escrever e te mando.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

deixa chover

...não consigo compreender esta coisa do refúgio...

é. é uma noção meio estranha, entendo sua dificuldade... mas talvez te ajude o seguinte: imagine que você é pego por uma chuva, uma chuva daquelas, a pé, sem capa nem guarda-chuva. aí você encontra uma marquise, uma ponte, um abrigo qualquer. imagine esta cena ou melhor, relembre a sensação, acho que é uma experiência bastante comum, e talvez ajude a você entender o refúgio.

sim... mas e a chuva! que chuva é essa!?

basicamente é tudo que não temos controle na vida: velhice, doença, morte, perdas... como a chuva, vão continuar caindo em nós, mas temos um refúgio agora... mais que uma marquise, encontramos uma casa de impermeabilização! o Buddha é o proprietário, aquele que descobriu o método de impermeabilização mental; o método é o dhamma; a sangha são os que nos conduzem no processo, saem na chuva e voltam impermeáveis para nos mostrar...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

tédio

...tudo bem, tédio também é sofrimento. o problema, talvez, é que na maioria das vezes é um sofrimento fraquinho, insuficiente para gerar alguma mudança significativa e sempre há os remédios clássicos: novidades excitantes competindo com o, digamos a verdade, inicialmente amargo Buddhadhamma.
mas do estou falando, afinal?
é que dia destes conversávamos, por cima, superficialmente, sobre a classe média e o buddhismo e, convenhamos, o grosso dos buddhistas por aqui está da média para cima. por razões lógicas e justas: mais cultura, mais viagens, mais acessos. e, também e lamentavelmente, por mais tédio. não sei como é ter tudo, ou muito, do que se quer, mas deve ser meio chato depois de uma meia vida...
aí, como o tédio me parece ser o que disse acima, acaba gerando a busca por uma espécie de buddhismo adocicado, um buddhismo prozac, um buddhismo smurf. um buddhismo que não consegue se impor, como solução, para aquilo que o shopping sempre pode aliviar, uma vez que esta é a função sagrada dos shoppings. um buddhismo que cativa pelo que tem de menos importante: cores, costumes culturais de lá e de acolá, concertos dos beach boys, entrevistas do richard geere, cabeças raspadas, trejeitos e palavras de sabedoria de um ou outro sábio e compassivo. enquanto a vida segue e aqueles aspectos que me parecem ser a razão fundamental do buddhismo vão para debaixo do tapete mágico. e os grupos se reunem sorridentes, sem forçar a barra, em seus voos razos.
a pior coisa que pode acontecer para um bon vivant é ele gostar de buddhismo. e muito pior isto é para o dhamma.
fazer o que? a vida é imperfeita.
mas não diga aos bon vivants do dhamma que a vida é imperfeita: depois que eles conheceram o dhamma, a vida tornou-se linda!


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

aqui estou, mais um dia

no fim do ensaio 'the taste of freedom', bikkhu bodhi diz:

Em sua plenitude, a liberdade para a qual o Buddha aponta como a meta do Seu ensino só pode ser experimentada por aquele que conquistou a realização da meta, algo que diz respeito a sua vívida experiência pessoal. Mas assim como o sal empresta o seu gosto a qualquer comida que tempera, assim também o sabor da liberdade penetra toda a Doutrina e Disciplina proclamadas pelo Buddha, no começo, meio e fim. Qualquer que seja o grau do progresso em que estamos na prática do Dhamma, na correspondente extensão pode o sabor da liberdade ser sentido. Sempre deve ser levado em consideração, contudo, que a liberdade verdadeira — a autonomia interna da mente — não surge como um presente da graça. Só pode ser obtido pela prática do caminho que conduz à liberdade, o Nobre Caminho Óctuplo.
mas tem dias terrivelmente quentes em que você acorda suando. ainda que sem saber o que é caminhar sob a mira de uma hk, sente que está verdadeiramente emaranhado. o calor, pequenas coisas, a coprofagia da sua yorkshire, um conflito que surge entre a renúncia e o sorvete de chocolate com paçoca, entre a meditação, a tv por assinatura e a internet. você imagina como seria pular ao invés de transitar por aquela mesma ponte, de todo mesmo dia.
tem dias em que olhar para cima e não ver nada, olhar para os lados e ver tudo, olhar para o espelho e ver só aquilo que tem para ver, te leva a sentimentos confusos que não se decidem alegria ou tristeza. e agrilhoam.
não.
tem dias difíceis.
neste dia você conversa com um bom amigo, que aos seus olhos tem motivos para não ser como você está.
mas este amigo diz que sim, que você tem razão, que a vida é realmente o que parece. que tudo dói e viver é um desastre que sucede a alguns. e aí você sabe que este é, com toda a certeza do mundo, um bom amigo. um bom amigo por não dizer que a vida é bela, que há um sentido maior, que tudo vai acabar bem no final. não. um bom amigo te diz a verdade. e você decide o que fazer com ela.
e você lembra de um outro texto, talvez de um outro autor, não lembro, em que é dito para que nos matenhamos conscientes de uma coisa muito importante: tudo, todo momento, todo movimento é dependente de condições.
e aí brilha uma centelha.
aí, apesar de nada mudar, apesar de tudo, parece que você tem escolha. aquela liberdade da qual falou o bikkhu bodhi começa a clarear a sua frente.
se você está aqui, o fim é certo. todo o sofrimento continuará, é só isso, você está preso. mas você pode escolher continuar presa das condições que fazem você imaginar o salto, ou escolher as condições que vão te fazer atravessar para o outro lado. você pode escolher ceder ao hábito de querer que tudo mude ou pode escolher a alegria de estar se aproximando da verdade pela contemplação da verdade visceral que se apresenta. pode escolher a alegria de resistir, a alegria de desistir, a alegria de saber aquilo que pode no momento: Qualquer que seja o grau do progresso em que estamos na prática do Dhamma, na correspondente extensão pode o sabor da liberdade ser sentido.
e nada muda, mas aqueles sentimentos, antes confusos, agora você sabe: uns são alegria, outros são tristeza.
você sabe alguma coisa da verdade.
você escolhe o que fazer com ela.



quinta-feira, 29 de novembro de 2012

é fogo

é fogo! "o mundo está em chamas". se nos debruçássemos sobre esta rica, riquíssima imagem... só nesta frase do Buddha há tanto ensinamento...!
está aqui a impermanência, o apego, o sofrimento, a condicionalidade... tudo no fogo. haverá ainda coisas que não vejo.
depois de um certo ponto de entendimento e esforço, bastam poucas palavras para tomar um dia de reflexão. 
depois que se é tomado pelo movimento da roda do dhamma, pode-se desacelerar num momento ou noutro, mais ou menos como corpos que se chocam e se afastam dos braços de um redemoinho, mas logo volta-se, atraído pelos laços que nosso próprio entendimento e empenho construíram. 
uma vez iniciado o processo de retroalimentação entre compreensão e confiança no dhamma, penso que dificilmente haverá escape. não haverá sequer o menor desejo de escapar. e este processo inicia-se, penso eu, justamente do foco mantido na primeira nobre verdade: dukkha existe. não enxergo outra porta mais segura para o dhamma do Buddha. se por esta se entra por escolha sabiamente ponderada, provavelmente não haverá como sair. por isso, ouso pensar, o Buddha começa por aí. 
pelo oposto disso, penso sem necessidade de ousadia, vê-se tanto pseudodhamma por aí. 
esta porta é segura porque nos permite almejar a transcendência sem nos perdermos em elucubrações irreias. é uma verdade sempre clara, aguda e a disposição, sempre presente como a respiração, que vai de aspectos grosseiros a sutis. ainda mais evidente que a impermanência, outra verdade sempre à vista, dukkha, por nos aparecer primordialmente pela via das sensações, nos mantém, se assim nos comprometermos, sempre atentos ao todo do dhamma.
ver o mundo em chamas torna-se um hábito, aos poucos. e ascende. 
o fogo desperta e ilumina. 
ou aconchega e adormece.
depende daquilo que cada um escolha fazer com o conhecimento do fogo.
você desperta e vê. 
ou dorme e morre queimado.

***

"Aquele que vê o perigo do saṁsāra é aquele que vê as falhas, o problema deste mundo. Neste mundo, há tantos perigos, mas a maioria das pessoas não os vê, elas veem os prazeres e a felicidade do mundo. Agora, o Buddha diz que um bhikkhu é aquele que vê o perigo do saṁsāra. O que é o saṁsāra? O sofrimento do saṁsāra é esmagador, é intolerável. A felicidade também é saṁsāra. O Buddha nos ensinou a não se apegar a eles. Se não vemos o perigo do saṁsāra, então, quando há felicidade, nós nos apegamos a ela e nos esquecemos do sofrimento. Nós somos ignorantes em relação a ele, como uma criança que não conhece o fogo". - Ajahn Chah (trecho de um texto a ser publicado pelo nalanda)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

saída, pelo vazio!

o vazio pode se tornar rota de fuga e, assim, esvaziar-se de seu verdadeiro significado.
um sintoma: "ai que dor de dente!" e a pessoa que foge pelo vazio diz a você com as sobrancelhas bem arqueadas: "não há dor de dente. tudo é vazio..."
um tempo depois você diz para ela: "tem um bolo de chocolate na salinha do café..." e ela diz, com olhos esbugalhados: "ai! guarda lá um bom pedaço para mim! vão comer tudo!!".

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

assente

assente-se
sinta
saiba sua matéria sendo só o que é
saiba-se sem certezas
esqueça
deixe ser a carcaça sumindo aos poucos 


simples

mente
e
massa
aceite ser só isso
cessando
não seja mais
nada
e
silencie

terça-feira, 6 de novembro de 2012

qual é a diferença?

volto constantemente à vida do Buddha. nem sempre literalmente, de pegar e ler tudo de novo (dois livros que me são especiais: velho caminho, nuvens brancas seguindo as pegadas do buda, de thich nhat hanh e buda de karen armstrong, volto mais em lembranças de passagens.
estudando o dhamma, seja ouvindo, seja lendo, um ensinamento ou outro acaba trazendo reminiscências da biografia do Tathāgata e complementando ou aprofundando o entendimento do que estudo. 
a vida do Buddha educa.
o Buddha tem se tornado cada vez mais humano. vai ficando próximo, vai virando um conhecido. mais além de um amigo que existiu e é representado hoje no altar. e passo a pensar nele vivendo por aqui, hoje, no meio de tanta poeira. no meio de tantos empoeirados. entre nós.
tenho refletido nas diferenças que manifestamos. 
há momentos em que estamos mais voltados para o caminho, e portanto mais próximos do Buddha e outros opostos. vemos alguém sofrendo, vemos algum sofrimento, e pensamos 'coitado, como sofre, como sou feliz por não ser ele' ou então 'eis o sofrimento que nos ata e dói a todos'. alguém morre e 'coitado...' ou 'sou eu logo mais'. alguém feliz! 'que sorte a dele! quando chegará a minha vez...?' ou 'que sorte a dele. que tire o melhor proveito...' 
o Buddha viu, fundamentalmente, feliz ou infelizmente, as mesmas coisas que nós vemos hoje e estas mesmas o levaram a se tornar quem foi. estaremos nós atentos a esta diferença? me parece que a resposta que damos ao que nos surge a todo instante tem o poder de nos aproximar do Buddha tanto quanto os mantras, as meditadas, as recitações, as verborragias. precisamos definir para nós as respostas e escolher quais iremos dar.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

paṭisotagāmi

chego ao dhamma do Buddha, talvez, por causa de uma impressão de que algo vai mal. nalgum canto da vida há qualquer coisa que miasma ocultada pelas minhas visões. há um quê que atravanca. chego por estar manco, por ter um falseio que engasga a respiração. talvez seja assim.
das vezes que são, chego do modo que sei, nos moldes dos meus hábitos: querendo.
quero cura, quero saúde, quero paz, quero melhora, quero ser. quero para continuar vivendo, com sucesso, minha existência. me livrar do mal estar.
chego, geralmente, de leituras, de programas de tv, de fontes onde muita beleza é dita. onde falam de mente clara, de paz interior, de amor vasto, verdadeiro e pleno, de energia interior curativa, de compreensão superior e muitos outros consensuais objetos de desejo. e quero.
mais ou menos como indo às compras, parto a meditar, a recitar, a me prostrar, a falar de amor. mais ou menos como a última compra, estas coisas começam a me frustrar.
logo parece que não consigo mais paz do que um ou dois minutos de entediante sentada, não amo mais gente do que aqueles de sempre a quem, vez ou outra, odeio intensamente. a calma interior não resiste ao copo que vira, ao pneu que fura, ao infeliz com quem eu trabalho. continuo sendo só o de sempre com um rótulo a mais, novos gestos, vocabulário, mais alguns amigos e compromissos.
deixei passar alguma coisa.

acho que você deixou. num sentido, deixou passar.
ignoramos onde estamos.
o Buddha, antes de tudo, nos diz onde estamos, o que somos. algo que, geralmente, julgamos já saber.
mas saber onde estamos, de acordo com o Buddha, implica em descobrir que não há para onde ir, o que somos em não  haver mais o que ser. então sabemos, sem querer, ignorar.
apesar de o Buddha só ter ensinado sobre duas coisas, dukkha e o seu fim, nos interessamos somente pela segunda por escolher acreditar que sabemos tudo da primeira.
sabemos que algo vai mal, sentimos aquele engasgo, nos basta. pensamos que basta para sair e querer o seu fim. mas talvez não seja assim.
são só pequenos sinais para que fiquemos e vejamos com paciência e sabedoria. desaprendamos muita coisa. o mal cheiro que sai por aquele canto está sob todo o chão. é ficar e ver.
e, neste sentido, você não está deixando passar.
o Buddha ensinou a ir contra a corrente do mundo. a corrente do mundo nos atravessa, somos a própria corrente que perseguimos, não deixamos passar, não olhamos e vemos passar. não paramos, e seguimos sendo o mesmo.
quando os primeiros sinais da miséria incomodam, é aí que devemos abrir bem os olhos e parar para ver. o primeiro movimento contra a corrente é parar. e começarmos a saber onde estamos e o que somos de verdade.
querer é a corrente do mundo, sem saber muito bem.


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

eu acreditara

chegara eu feliz ao trabalho (permitam-me a licença poética), cumprimentando um e outro vou até maria que estava a ouvir josé: quando mais me aproximo vejo que josé estava dando um belo de um esculacho em maria. 
rauf, rauf, auf, auf, rarrrgh, auf...
dou meia volta e, de longe, volto depois que josé se vai. 
o que houve, pergunto à maria que chora e diz: cain, cain, cain, cain, nnnn, cain...
calma maria, calma...
lhe ofereço um copo d'água.
se acalma, depois a gente conversa...
passa um tempo e resolvo ir até a sala do josé.
josé, boa tarde, o que houve lá com a maria?
ah, blá, blá, blá... resumindo: josé disse que maria havia sido deselegante, mal educada, feito escândalo por coisa insignificante na frente de pessoa estranha dentro de sua sala. sim, sim, entendi o josé. não era a primeira pessoa que afirmava tais coisas de maria. até achei bom que ele falasse diretamente com ela. fazer o que? paciência tem limites.
e mais tempo, maria melhor, e comentários, e trabalhamos.
e, mais tempo passado, berenice me diz que maria entrara a pouco na sala de josé a pedir desculpas pelo comportamento. meu coraçãozinho palpita. fico feliz. ora, digo que preciso cumprimentar maria pela bela atitude. indago berenice se de fato é fato e ela me garante que sim, que viu, que estava presente.
que ótimo, penso eu. nem tudo está perdido, uma bela atitude merece reconhecimento, que legal. e sigo eu, saltitante e crédulo ao encontro de maria assim que a oportunidade surge. digo a maria que bela atitude, muito bom maria, fico feliz de saber que você tomou a iniciativa de se desculpar, muito bem, é muito melhor assim. no que maria, séria, circunspecta e serena me diz que ela é deste jeito, se estou errada eu reconheço, é como eu sou, e não há nada demais em pedir desculpas, oras.
meus olhos marejam. muito bem maria, que belo, penso eu, e o dia segue.
então eu conversava com venceslau e o assunto da maria chegou. mas eu achei uma atitude legal a de maria, hein, venceslau? ir lá pedir desculpas depois do ocorrido. venceslau dá um sorrizinho. diz que depois da lavada que ela levou do sr. zeus tinha mais é que ir rapidinho mesmo. com estranhamento eu digo, como assim? ué,  diz ele, alguém informou, e devem vir já informando ao sr. zeus sobre maria há algum tempo, que a chamou e soltou raios e trovões sobre ela blá, blá, blá... saiu de lá com olhos esbugalhados e correu para pedir desculpas.
bom, como eu sou trouxa.
maria só teve medo. medo não é nobreza. e ela sabe o que é nobreza ou não teria simulado tal atitude quando fui cumprimentá-la.
maria sabe bem o que é nobreza. porque disso ela fala. critica a falta de ética dos políticos, é politizada, a maria. tem causas, inclusive, pelas quais versa e age. é engajada a maria. fala bem a maria sobre muitas coisas certas.
mas a maria errou do início ao fim desta história e eu voltei à minha condição básica de desgosto.
sabbe sankhara dukkha. eu lembro.
lembro dessa e de ajahn chah que diz que somos todos bolotas de deterioração. lembro que somos massas de conflito gerados e girando em torno e a proteger o produto de uma percepção distorcida. agregados em um revolver ignorante entre intervalos de esquecimento. pobres diabos. lembro que somos todos pobres diabos. é assim.
ainda me impressiono, apesar de tudo, me esqueço e volto a acreditar que isso um dia vai dar certo. não vai. vai ser menos ruim, faço o possível para que seja, inclusive. mas é só. só menos ruim. sem empolgação até o fim completo.
e dou risada.
e sigo feliz, sem licença poética desta vez.

e qualquer semelhança com a realidade é porque a realidade é assim mesmo. estas coisas acontecem.


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

sadhu

em 23/11/11 eu publiquei aqui uma 'resposta aberta' ao sr. michael beisert que havia dirigido uma 'carta aberta' ao professor ricardo sasaki, diretor fundador do centro de estudos buddhistas nalanda e da comunidade nalanda da qual faço parte. não sei se no mesmo dia ou poucos depois dirigi um comentário ao blog 'dhammarakkhita' que havia manifestado apoio à tal carta do sr. beisert.
é com alegria que tomei agora conhecimento de que este blog manifestou sua retratação tanto para com o professor sasaki quanto à comunidade nalanda. esta atitude, em minha opinião, é digna de louvor e regozijo para todos aqueles que aqui, no nosso brasil, uma sociedade já tão esculhambada, tentam compreender, praticar e experienciar algo daquilo que lhes parece, ou ao menos deveria parecer, o que de mais sublime já foi ensinado neste mundo, a saber, a disciplina do Buddha.
sadhu.

sábado, 6 de outubro de 2012

nojo

véspera de eleições municipais. 
nenhuma época é melhor que a de eleições para enojar-se do mundo. 
queres fomentar tua renúncia, mergulhe na política e mergulhe em época de eleições: leia, assista, pesquise, reflita. dê ouvidos. conheça as pessoas a quem estamos submetidos, que nos regulam a vida, que legislam, que executam. conheça seus valores. pense a respeito. 
e experimente a desesperança, o desencanto, o desgosto que surge disso.
a imagem de um futuro que, na melhor das hipóteses, seguirá repetindo o presente. talvez com cada vez mais detalhes, mais notícias, mais opiniões, mais barulho. e por isso mesmo, mais funcional para aqueles que buscam pelo fim do mundo.
e é um fato tão claro...
uma frase de pontuação final desgraçadamente difícil:
haverá quem me sugira o contrário

domingo, 30 de setembro de 2012

macacada

há pouco conversava com um amigo simpatizante do buddhismo. leitor de muitas coisas, amante do saber, um reflexivo. dizia-me que tenta meditar, mas não consegue. repliquei que se tenta, de certa forma já medita. dizia-me que há dificuldade em desapegar-se, há a vida, há os apetites, há os amores, os desejos e as famílias. repliquei que há necessidades, se não todas saudáveis do ponto de vista de um Desperto, ao menos há possibilidades de se manter um equilibrado controle da doença que é o samsara. e há obsessões. há que se satisfazer necessidades de forma equilibrada que estas tendem a diminuir serenamente. mas se cria-se e nutre-se e cuida-se de obsessões, estas aumentam monstruosamente. dizia-me como o buddhismo acerta sobre as coisas. repliquei que é mesmo...
dizia-me que precisava aquietar o macaco louco. repliquei que se o macaco percebe que estamos atrás, aí que não pegamos ele. é preciso espreitar, meio de longe, meio como quem não está por ali. de rabo de olho, vigiar o bicho. decorar seus movimentos, gravar seus caminhos, deixar que se acostume com nossa presença. sejamos amigos, sejamos bonzinhos. até que o macaco venha descansar em  nosso colo.
dizia-me o amigo daqueles que se conhece há mais de vinte anos, com quem se estudava, com quem se acertava e errava, com quem se ouvia rock em silêncio. daqueles que caminham até longe. daqueles de muito antes das redes que emaranham pessoas. daqueles que sabem quem fomos. que leram nossos livros. amigos que ainda gostam de se ouvir.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

quem procura, não acha

procura-se por aquele que dormiu ontem e acordou hoje, que estava aqui e foi para ali, que quis e conseguiu, que começou e terminou. usa-se de todos os recursos para localizá-lo; pensa-se assim, contampla-se de outro modo, observa-se deste ponto e daquele, pondera-se, reflete-se, aquieta-se ao extremo, espreita-se... 
e nada.
aquele, sempre tão sólido, agora é vaporoso. incerto, tremula e some diante das vistas. mera visão. 
um nada.
mas com este mesmo nada, então, algo se confronta: é isto que ocorre. 
ocorre este toque.
ocorre este pensamento.
ocorre este som.
ocorre este ir e este vir.
e esta dor.
deste confronto uma alternativa apenas: havendo isto, aquilo surge; isto cessando, aquilo cessa.
depende. 
só dependência.
ninguém imune ao ocorrido. ninguém seguro a observar o desenrolar dos atos. 
ninguém vive. 
nenhuma testemunha.
e é esta ausência que revela o vão. 
esta ausência é que apaga a graça. 
aos poucos, aos poucos, a constatação de não haver ninguém, vai gerando apreensão diante da possibilidade do ocorrer este toque, aquela visão, outro som, um ir e vir, mais uma dor, prazer, ilusão. pois nada sobra, nada fica, nada resta, não há. só ocorre e acaba. morte.
sem espectador, não há espetáculo.
só há espetáculo.
nenhum espectador.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

dual

a vida é feita de experiências boas e ruins.
isto é uma dualidade.
a vida é experiências que começam boas e terminam ruins ou começam ruins e terminam piores.
isto é começar a compreender a não dualidade.
dualidade é resultado da conceituação, da concepção de entidades, coisas,  saṅkhāras.
não ficamos na experiência sensorial até o seu fim. nos primeiros sinais de desconforto, mudamos para outra coisa e aquilo que surgia como bom fica sendo "bom". fica saṅkhārizado como bom. se ficássemos até o fim, veríamos sua mudança e saberíamos que as coisas são surgimento, aparência e cessação
do contato entre sentido e objeto surge o saṅkhāra . deste a proliferação de conceitos duais: isto, aquilo; bom, ruim; prazer, dor; felicidade, sofrimento; tudo, nada.
este o fundamento do mundo. este o motor da existência.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

mitomania

O termo āsavā implica aquelas influências que corrompem enraizadas nos seres devido a hábitos saṃsāricos. Estes têm uma tendência de fluir e serem tentados em direção a sensorialidade, existência e ignorância.
Pode ser difícil entender por que a ignorância consta também como um tipo de āsavā (influxo), uma vez que é reconhecida como o primeiro elo na cadeia do surgimento dependente. A ignorância, ou ignorar é, efetivamente,  um hábito. Há uma tendência nos seres saṃsāricos para tatear na escuridão e de aversão à luz. Eles têm a tendência de fechar os olhos à luz e a ignorar. Há facilidade para ignorar e esquecer. Este traço de esquecimento habilita-os a permanecer bastante tempo no saṃsāra.

mais um trecho do venerável ñanananda que faz pensar. faz refletir o primeiro raio de luz que o Buddha lança na escuridão do saṃsāra e em como pomos mãos sobre os olhos, fugimos, desviamos o olhar já desde aí.
talvez não fujamos imediatamente. talvez apenas mantenhamos os olhos semi-cerrados, semi-abertos para a primeira nobre verdade.
quando o Buddha diz que o sofrimento existe, quando abre todo o Seu ensinamento com este postulado, nós até aceitamos. concordamos com Ele: sim, o sofrimento existe. a luz começa a arder nos olhos a partir do momento em que o Buddha continua.
Ele declara taxativamente que só ensinou duas coisas, o sofrimento (dukkha) e seu fim. mas a análise que Ele faz do problema de dukkha, de sua gravidade e abrangência é muito forte, arde na nossa vista. então nos voltamos para aquilo que podemos suportar melhor: o fim do sofrimento. a ironia é que, eu acho, só suportamos esta segunda parte por que a mantemos na penumbra de nossa estupidez. pois o Buddha afirma que para resolvermos o problema precisamos compreendê-lo completamente.
mas se para o escuro fugimos...
apesar de tudo o que Buddha diz em seus discursos investigando e esclarecendo, iluminando o problema, nos mantemos nas sombras do medo de não podermos ser felizes se olharmos para onde a luz aponta, tateando em busca de abrigos que façam sombra, de filtros que nos protejam. temos predileção por aqueles ensinamentos enviesados que afirmam que 'não é bem assim', 'nem tudo é dor', 'a vida é bela' e por aí.
e o ciclo se mantém nutrido pela ignorância, como afirma o venerável acima.
quando o Buddha declara a primeira verdade Ele não quer que acreditemos nela. é uma hipótese de trabalho. algo que precisamos considerar. e devemos considerar porque temos um forte motivo: sabemos que a dor existe, no nível mais grosseiro nós já conhecemos a dor. o que o Buddha nos propõe então, dando continuidade aos ensinamentos, é que se queremos nos livrar da dor precisamos compreendê-la completamente. não deveríamos perder tempo nos escondendo sob questões inábeis do tipo 'como poderei ser feliz?'. algo que o Buddha nos propõe é 'experiencie em profundidade o que você crê que é o ser feliz agora'. só isso.
sem medo.
a primeira nobre verdade é o que ilumina, clareia todo o ensinamento, se permanecemos evitando encarar esta luz, buscando alternativas enganosas e falácias, seremos como sementes que até germinam mas por fim definham se não houver luz.



The term āsavā implies those corrupting influences ingrained in beings due to sasāric habits. They have a tendency to flow in and tempt beings towards sensuality, existence and ignorance.
It might be difficult to understand why even ignorance is reckoned as a kind of influxes, while it is recognized as the first link in the chain of dependent arising. Ignorance or ignoring is itself a habit. There is a tendency in sasāric beings to grope in darkness and dislike light. They have a tendency to blink at the light and ignore. It is easy to ignore and forget. This forgetting trait enables them to linger long in sasāra.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

edukkhação

na disciplina do Buddha
tudo educa

nascer educa
envelhecer
adoecer
educa morrer
ouvir educa
ver
educa cheirar
sentir
pensar educa
mover-se educa
parar educa
aprender educa
ensinar educa
estudar educa
o que quer que surja educa
o que quer que se componha
educa
o que quer que se decomponha

ser educa

existir educa

até que não mais edukkhação seja necessário

segunda-feira, 30 de julho de 2012

vários dedos, diversas luas


"We happened to mention earlier that the term Tathāgata was already  current among ascetics of other sects. But it is not in the same sense that  the Buddha used this term. For those of other sects, the term Tathāgata  carried with  it  the prejudice of a soul or a self, even  if  it purported  to  represent  the  ideal of emancipation."

"Mencionamos anteriormente que o termo Tathāgata já era usado entre ascetas de outras seitas. Mas não no mesmo sentido em que o Buddha usava o termo. Para os de outras seitas, o termo Tathāgata carregava o preconceito de uma alma ou um ego, mesmo que com o significado de representar o ideal da emancipação." 

é o que diz o venerável bhante ñanananda no 21º sermão da série "nibbana - the mind stilled".
este trecho me fez refletir em que apesar de todos falarmos em tolerância, respeito à diversidade e pontos de vista, vira e mexe ainda fazemos força para igualar coisas demais e, a meu ver, de forma absolutamente desnecessária.
há muito gosto, por exemplo, pela famosa metáfora do dedo que aponta a lua. esta imagem é sempre usada quando queremos dizer que todos os caminhos levam a um só fim, que todos os grandes mestres falaram da mesma coisa, chegaremos todos ao mesmo objetivo, então, vamos dar as mãos. 
mas será que precisamos desta ideia para darmos as mãos? 
acho que não.
quando usamos a imagem desta forma, a lua é o grande mistério, aquilo que está além do além, o indizível. os dedos são as tentativas de nos direcionar para a grande incógnita. 
eu penso um pouco e chego à conclusão de que falar sobre tal conceito é falar sobre nada ou, pior, sobre qualquer coisa. e o Buddha, que nos últimos anos é, dos grandes, Aquele para o qual tenho me voltado completamente, desde que decidiu-Se por falar sobre o mistério que descobriu por Si mesmo, decisão descrita como difícil no cânone antigo, note-se bem, falou bastante, explicou, instruiu, definiu e estabeleceu a verdade que realizou da melhor forma que pode, assim como diversos dos Seus seguidores tempo afora, incluso os dias de hoje, conforme atestam o trecho que citei e muitos outros que estão indicados por este blog.
não sei como (na verdade até sei um pouco mas não o suficiente para afirmar que sei) é com os outros, mas acredito que todos os grandes definiram bem aquilo que os seus dedos apontaram. e, no limite do meu conhecimento, vejo diferentes luas.
certa vez disse isso mesmo numa lista de discussão quando surgiu a metáfora com aparente intenção ecumênica. afirmei que me parecia haver diferentes luas e não me lembro de ter havido continuidade na conversa. talvez porque eu ainda tenha muito o que evoluir ou porque as pessoas tomem isso como uma atitude antipática, radical, exclusivista e por aí... nada mais oposto à verdade (exceto a questão da evolução) no que diz respeito a mim. 
eu sinto desconforto é justamente quando vejo, por exemplo, buddhistas dialogando sobre deus com algum teísta porque, quando é alguém que se balize pelo cânone buddhista, é inevitável que a coisa, o conceito deus, vá sendo torcido, torcido, torcido até que não sobre nada do pobre criador, princípio de tudo, pai de todos, a despeito de todo respeito e sincero desejo ecumênico do buddhista em questão. e os envolvidos no tal diálogo acabam se protegendo e se aconchegando no grande mistério, ou nada, ou qualquer coisa.
acho que não precisamos disso.
porque já temos o suficiente de pontos em comum: todos queremos o bom para nós. 
claro, simples e ponto. 
e para isso há a regra de ouro escrita por todos os dedos de bom senso: aja com os outros como quer que ajam contigo. simples. nada mais a dizer.
mas ainda podemos conversar sobre as luas e os mistérios. 
mas me parece uma atitude muito mais sábia, compassiva, e sinceramente ecumênica eu continuar amando a quem tem plena convicção de que meu destino final é o quinto dos infernos ou algo que o valha. e da mesma forma eu continuar a ser amado por ele mesmo que eu afirme, sem medo, que não há a menor possibilidade de eu aceitar qualquer concepção de deus que tenha sido pensada até hoje. nós precisamos nos amar sem tentativas sempre vãs de nos equalizar desprezando o que realmente tem valor: que o efeito, tanto da minha busca pelo fim do mundo quanto a de uma busca pela vida eterna, por exemplo, seja uma existência cada vez menos ruim, aqui e agora, para mim, para você e para quem não tem qualquer interesse pelo que acabei de escrever.
se o grande mistério for realmente o mesmo, se no final nos encontrarmos numa mesma lua, façamos lá uma grande festa, oras bolas!

***

lembrei de uma passagem daquele que considero um de meus professores adjuntos de dhamma, o josé saramago. no livro "o evangelho segundo jesus cristo" ocorre, em certa altura, de estarem jesus e o diabo num barco, em mar aberto, e deus no céu. os três entretendo um colóquio meio profundo quando, num dado momento, uma poderosa voz manifesta-se acima deles. 
os três tremem.
mas, afinal, dão de ombros e a estória segue.

domingo, 22 de julho de 2012

23.4

muito antes de buddhista eu já era ateu.
encontrei bem cedo razões para não crer em um criador, princípio de tudo, pai de todos, todo bondade e outros atributos consensuais nas tradições teístas. e no buddhismo aprofundei e confirmei minhas razões.
vez ou outra me dizem que não há ateus num avião caindo. eu penso que a falha de quem diz é esperar estar num avião para tomar consciência da queda. eu busco esta consciência todo o tempo e com isso torno-me ciente também da necessidade de proteção.
é grande.
pensei nisso por uns dias por conta de conversas com bons amigos evangélicos. nestas conversas às vezes surge certa comoção e tristeza pela minha eventual condenação no dia do juízo.
infelizmente não há o que eu possa fazer.
até lá, vamos nos ouvindo. 
o que inspirou este texto foi uma instrução que recebi para manter a bíblia, eu preciso adquiri-la primeiro, aberta no salmo 23 e comprovar a proteção que vou obter.
o salmo é bem conhecido, na verdade. ouvia de minha mãe. 
está assim na rede a parte que me foi recomendada:

"ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo: a tua vara e o teu cajado me consolam."

uma poderosa afirmação de proteção.
como eu disse, muito cedo eu manifestei meu ateísmo, lá pelos 10, 11 anos. um protoateísmo na verdade é a palavra que preciso inventar.
o curioso é que não criei aversão por religião ou religiosidade. embora as primeiras aulas de darwin tenham me arrebatado, eu continuei capaz de orar ainda que com a sensação de estar falando sozinho.
até hoje me pego falando sozinho e às vezes sinto como se estivesse orando...
talvez isso ajude a explicar o fato de eu manter bons relacionamentos com religiosos em geral e de estes serem, quase sempre, meus bate-papos preferidos. estes bate-papos muitas vezes abrem janelas pelas quais olho para dentro e para fora do mundo... fico matutando sobre o que ouço e que significado aquilo pode ter para mim...
e desse jeito mantive o salmo na cabeça procurando pela minha própria proteção. porque eu não posso ficar desprotegido. eu estou sempre no vale, é onde eu vivo, sempre sob a sombra da morte.
o vale é povoado de egos insurgentes e conflituosos, sempre nascendo e morrendo e até se matando uns aos outros, sempre... e eu atento, sob a sombra da morte tentando não nascer...
tentando aceitar o mal inevitável e compreender o que posso evitar, tomo a vara e o cajado para mim. a vara me alerta para a dor que vem de me acomodar no descuido e no deleite nascendo sob a sombra.
a vara me lembra que a sombra é da morte.
o cajado me ajuda a descobrir a terra fofa e movediça da preguiça, as pedras das opiniões inamovíveis, os buracos do egotismo, os espinhos da fala imprópria.
é o cajado que mais uso pois o que mais faço é caminhar.
e caminhando pelo vale vou descobrindo o que os bons amigos me querem dizer, ou talvez lhes mostrando o que ouço quando falam.
tomara que importe tanto para eles quanto é importante para mim.



sábado, 14 de julho de 2012

diṭṭhevadhamme

os buddhistas acreditam que reencarnamos como animais?
o que você quer dizer com reencarnar?
ah, morre mas não acaba... volta, nasce de novo...
é, sim, acho que dá para dizer que sim, cremos nisso, ou algo próximo disso...
por isso então que não se deve matar nada?
sim... mas também não...
...
olha, você vai achar isso dito em algum lugar, e há este ponto de vista que não está errado, o pernilongo foi minha mãe e tal. mas há também o ponto de vista que eu prefiro adotar que é o seguinte: tudo no buddhismo precisa ser visto como um treinamento que dê resultados nesta vida, here and now. uma galinha pode ter sido minha mãe, posso crer nisso e é positivo e produtivo em muitos aspectos. mas eu vejo o ideal como sendo eu evitar fazer mal à galinha porque eu treino a minha mente para eliminar o que chamamos de venenos mentais. e maltratar outro ser sempre nutre o veneno da raiva, aversão, agressividade, um dos três venenos principais. compreende?
sim, sim...
o foco, no meu ponto de vista, nunca deve fugir desta vida aqui. porque crença é útil mas tem suas limitações. e para a galinha não faz a menor diferença...
hahaha. para você, faz...
é, faz! me parece mais hábil e em acordo com aquilo que se registrou do Buddha nos ensinamentos antigos. independentemente de eu crer que o animal foi minha mãe eu mantenho meu treinamento e ficamos todos bem, eu e as galinhas...



sexta-feira, 22 de junho de 2012

por que que a gente é assim?

não sou um grande leitor de suttas. 
na maior parte das vezes que vou a um sutta é porque ele foi, todo ou em parte, comentado em algum texto que eu esteja lendo. e aí eu fico maravilhado pela perspicácia do Buddha, pela beleza e profundidade da metáfora e, quase sempre, por eu já ter passado por ali e não ter apreendido toda a nuance do agora tão completo ensinamento.
por eu conhecer pouco os suttas eu não deveria expressar a ideia que vou mesmo assim.
ainda não vi o Buddha dizer que o mundo é perfeito.
ainda não vi o Buddha dizer que a natureza das coisas é bela. que tudo é maravilhoso em si. ainda não vi o Buddha dizer para nos fazermos abertos à mágica da vida.
o que sempre encontro é o Buddha falando da necessidade do desapego, do desencanto, da temeridade do surgir e cessar dos compostos, da vanidade da beleza, da doença, do envelhecimento, da morte e da absoluta necessidade do escape disso tudo.
mas não é raro eu ver textos de dhamma falando as coisas que eu ainda não vi o Buddha falar.
mas, se eu não estiver escrevendo (mais) uma grande besteira, por que o Buddha não falava, então?
porque Ele sabia como a gente é.
é porque Ele sabia que daríamos um jeito de elucubrar formas absurdas para despertar e continuar dormindo. Ele sabia da nossa incomensurável preguiça e sono. Ele sabia que a mais tênue sujestão de concessão ao samsara iria prevalecer sobre qualquer milhar de conselhos que desse para abandoná-lo. 
então, mesmo que o Buddha não tenha feito tal concessão, como eu disse, não sou qualificado para afirmar isso, ela foi achada e nós nos aconchegamos nela sempre que podemos ou descuidamos.
e a noite nunca tem fim. 
preferimos tais abordagens e nos encantamos na sua profundidade. aquelas vindas de mentes que superaram a dualidade. que afirmam a maravilha do surgir e cessar, a mágica do existir, o fulgor, a intensa beleza e possibilidades que a vida nos oferece. isto sim é a sabedoria que combina com o modo como sabemos ser. nos é agradavelmente enlevante. aí não é a vida que é imperfeita, nós é que não sabemos enxergar sua perfeição, afinal podemos escapar da prisão e continuar nela, como um pasarinho capaz de voar carregando a gaiola consigo.
eu vou continuar buscando pela condescendência do Buddha.
enquanto não a encontro, prefiro me manter empenhado em um dia compreender "sabbe sankhara dukkha".
e pedindo para que, por favor, me ajudem a corrigir meu possível erro.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

quando o sol...

tudo é dor
e toda dor
vem do desejo
de não sentirmos dor

este, talvez, tenha sido meu primeiro contato com o ensinamento buddhista. no encarte do álbum consta que o renato russo tirou este e alguns outros de um livro buddhista que ele encontrara em um hotel. embora eu sempre tenha sido um tanto orientado, nos moldes do que cantava o gilberto gil, meu interesse se mantinha no tao te ching, no i ching, no kung-fu... talvez por algumas visões de gordinhos em pratinhos cheios de moedas eu nunca havia me interessado pelo Buddha. 
e nem naquele tal contato me interessei. meu sistema imunológico preferiu outras partes da música. ouvia tudo é dor mas me deleitava era no o sol nasce para todos.
anos depois, durante o período em que frequentei um centro tibetano, o monge professor deu uma série de palestras baseadas em frases de uma outra canção do mesmo álbum: há tempos.

disciplina é liberdade
compaixão é fortaleza
ter bondade é ter coragem

muito boas. a canção e as palestras.
mas interessar-se pelo buddhismo é interessar-se pelo sofrimento.
o sol nasce para todos, causa queimaduras e câncer de pele.
se ficamos com o nascer do sol, perdemos. se ficamos com as queimaduras, perdemos também.
o buddhismo é o caminho que leva para onde o sol não nasce mais. nem a lua, nem as estrelas.
quando o sol bater na janela do teu quarto, lembra e vê que, mais cedo ou mais tarde, você vai ter problema...



quarta-feira, 6 de junho de 2012

it's the end of the world as we know it (and i feel fine)

O "Propósito" da Vida


Num emprego abusado, a palavra 'desculpa' seria uma melhor opção, porque não há propósito algum que, em si, não pressuponha alguma forma de vida. Todos os chamados 'propósitos' impingidos à vida pelos seres não despertos para torná-la mais alegre são apenas meras "desculpas". O buddhismo enfrenta diretamente o vazio absoluto da vida quando a iguala a "Dukkha" - a verdade amarga (do sofrimento). Segundo sua análise, se pode-se falar do propósito da vida, este é nada menos que o esforço para levar à cessação da existência samsárica - o círculo vicioso. Esta sendo a única desculpa justificável.


e com este trecho cheguei ao fim da 1ª leitura do livreto "Towards Calm And Insight" do Venerável (Venerabilíssimo e cada vez mais essencial na minha prática espiritual) Bhante Katukurunde Ñanananda. 
muitas questões nascem de uma passagem tão "radical":
será possível para um não monge realmente ser buddhista?
que implicações, em termos de qualidade de vida, gera uma ideia como essa?
é possível viver a vida sendo sincero consigo mesmo e ao mesmo tempo concordar em absoluto com o autor?
onde tal pensamento irá me (nos?) levar?
...
and i feel fine...
e cada vez mais disposto e entusiasmado na busca de respostas para todas estas perguntas!!!

vai que alguém queira me processar, e a vida já é dukkha, por si só um processo, o título deste post é homônimo de uma música da banda americana r.e.m. 
eis o link para letra e som:
pode ter algo a ver... ou não... mas o título é muito bom!

abaixo o original do Venerável em inglês e o link para o livreto:

The 'Purpose' of Life

A misuse of the word 'Excuse' would be a better substitute, because there is no purpose that does not itself presuppose some form of life. All so-called 'purposes' foisted on life by the worldling to brighten it up, are but mere 'excuses'. Buddhism faces squarely the utter hollowness of life when it equates it with 'Dukkha'  -  the bitter truth (of suffering). According to its analysis,  if one can speak of the purpose of life,  it is none other than the endeavour to bring about the cessation of samsaric existence  -  the vicious circle. This is the only excuse that is justifiable.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

o que dá para fazer ll

se eu sei que uma coisa me faz bem eu vou querer que muitos saibam da existência dela. vou querer que esta coisa permaneça neste mundo por muito tempo, que muitos possam ter acesso a ela, de forma constante, segura. que esta coisa seja preservada da forma mais pura possível conforme me beneficiou.
o Caminho do Buddha, o Buddha Sasana, que a maioria conhece como buddhismo, é esta coisa para mim.
a minha maneira de trabalhar por este objetivo é compartilhar minha compreensão do Buddhadhamma bem como aquelas fontes de onde nasce tal compreensão. se mais pessoas surgirem, se as condições forem se combinando, se as bases forem se tornando tão sólidas quanto anicca, dukkha e anatta permitirem, as ocorrências indubitavelmente evoluirão naturalmente, sem pressa, de acordo com o tempo, esteja eu manifesto por aqui ou não, mas tendo feito a minha parte.
veja o vídeo:


terça-feira, 22 de maio de 2012

indignação

I see no error made which I could not have made Myself *  
(i.e. given the same amount of delusion).
 
* An "antiseptic" for rash itchings and irritations that may
come up while handling the suffering, erring, humanity.
 

Symptoms: nausea, c-a-r-ping (not coughing), "holier than
thou" feeling, stiffness, righteous indignation.
 

Contra-indications: Discontinue treatment if "self-pity" sets
in. Directions for use: Just rub it in.

este é um dos muitos maravilhosos trechos do Venerável Bhante Katukurunde Ñanananda. maravilhoso pela brevidade sagaz que provoca alegre contemplação e, acho, pode penetrar fundo na mente e coração de quem, além de dar alguma risada, se dedicar à ruminar esta prescrição medicinal. 
para quem precisar, dou a minha tradução no fim do post. mas recomendo que cada um faça a sua.
é a cada ser humano que se dirige esta prescrição, mas ela reverbera mais alto entre minhas orelhas neste momento político do meu país diante da cachoeira de indignação que brota da mesma nascente de onde borbulha a água podre que nos respinga.
passenado pelos vídeos da rede e das tvs, lendo comentários e crônicas por aí, eu me assusto com tanta gente honrada que habita esta terra tão fustigada pela corrupção e desonestidade! como há gente boa e proba nesta terra e nós, ainda assim, sufocados por tanto mal cheiro! 
por que será?
os clamores dessa gente digna vai mais ou menos assim: "por que este governo...!" "por que esta pessoa...! "por que tal partido...!" "por que aquele presidente...!" 
ninguém, mas nem unzinho só, diz "nós".
e é como se todo o mal que ora vemos surgisse na última manchete, na última bomba, no último governo. como se fossem inocentes vítimas de seres sabe-se lá de que natureza maligna que apareceram para macular a ilibada realidade até então reinante. 
e toda aquela indignação, e todo aquele clamor, e toda aquela revolta vai me embrulhando o estômago porque fede a demagogia, a oportunismo, a uma desonestidade ainda pior que aquela contra a qual parece que se revolta, simplesmente porque mente por cima da mentira, porque detecta, com seus aguçados sentidos de hiena, aquilo de que as hienas se nutrem e se mantém fortes e saudáveis. 
indignar-se, então, é algo ruim e impróprio para este que aqui escreve? mas de forma alguma! indignar-se é necessário, é vital, inclusive.  o que nauseia é fazermos que não sabemos o que somos. que somos de um tipo que, se acaso recusa-se a ter o conserto do fogão passado à frente dos outros por ser amigo do dono da oficina, causa espanto e até chacota! "lá vai o sr. certinho, kkk..." (ou rsrsrs, de acordo com o dialeto de internet que você use...). e se somos deste tipo na pequenez, por que nos esforçar para esquecermos  que lá onde as coisas são grandes há seres exatamente como nós? produtos do mesmo adubo? mas eles tem que dar o exemplo, oras! e nós, não!? é fingindo que não sabemos ser este tipo de ser carnavalescamente dado a tirar vantagem de todo o jeito que vamos conseguir ter a  dignidade que gostamos de bradar?
sei que não.
enquanto não houver gente disposta a efetivamente enfiar o dedo na nossa ferida, nos dizer o que efetivamente somos, que temos o que merecemos, que a mudança é lenta, que a realidade, e nós somos a realidade, está se decompondo em podridão, se ao invés disso continuamos a aplaudir, vibrar e endossar o discurso 'indignado' contra aquele governo, partido, senhor ou senhora fulanos de tais, enquanto nós insistirmos em nos fazermos de bobos, a nos fingir ignorantes da real dimensão de nosso cotidiano descaso anônimo pela ética, enquanto nos deixarmos contaminar pela sedutora indignação das hienas que vociferam enquanto cobiçam as nossas carcaças, aí será assim como está há muito tempo. 
e aí eu, sinceramente, tenho esperança de que, ao menos para mim, isso tudo acabe.


a minha tradução:


"Não vejo qualquer erro cometido que eu mesmo não pudesse tê-lo feito.*
(Isto é, dada a mesma quantidade de ilusão).

* Um"anti-séptico" para coceiras, erupções cutâneas e irritações que possam
surgir ao lidar com o sofrimento, a erraticidade, a humanidade.
 
Sintomas Associados: náuseas, chiadeira (sem tosse), sentimento de "sou mais santo",
rigidez, honra indignada.
 
Contra-indicações: interromper o tratamento se a "auto-piedade" se instalar.
Modo de uso: basta aplicar por dentro.

Speech by ReadSpeaker