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Buscando...?

sábado, 7 de fevereiro de 2015

pazes

a história é aquela: o herói sai em busca do que ignora carregar no bolso por toda a jornada cheia de aventuras.
voltando ao ponto de partida, alguma coisa o faz olhar dentro do bolso.
a biografia do Buddha conta que num momento crucial de sua busca Ele se lembra de um dia em que, ainda infante, experimentou algo oriundo de um momento de quietude interior no quintal de seu palácio, na companhia de seu pai. e resolveu seguir aquela pista. 
deu no que deu.
esses toques parecem dizer que, em tese, é possível despertar até assistindo ao big brother. 
talvez fosse mais fácil se tomássemos o caminho mais difícil de dedicação integral ao cultivo da mente, à reformatação da percepção e concepção do mundo. mas como a vida não é nossa, e aceitar isso parece ser já uma gota de sabedoria, a melhor opção é fazer as pazes com nossa própria jornada.
lavar louça, varrer a casa, limpar o banheiro pode ser uma viagem.
acordar bem cedo para trabalhar. trabalhar à noite... quanta coisa acontece, quanto material vazio, impermanente, difícil de suportar surge por todos os lados!
a vassoura quase esmaga uma aranhinha que sai em atabalhoada fuga. o varredor pode bem parar um momento e questionar-se em que ponto a sua limpeza vale mais que a vida da aranha... respirar, aquietar e varrer a mente. um pouquinho.
e de pouquinho em pouquinho vai-se tomando o caminho de dedicação integral ao cultivo da mente. quem sabe quando o mais difícil deixará de ser?


sábado, 24 de janeiro de 2015

tentação

Na manhã do último domingo de 2014 eu estava lendo Ensinamentos de Buddha, Ensinamentos de Cristo, livro do mestre tailandês Ajahn Buddhadasa, publicado pela Edições Nalanda, quando chamaram no portão os Testemunhas de Jeová. Eu estava bem inter religioso. Como sempre, ouvi, sorri, agradeci, fui legal... Eu realmente respeito pessoas boas, com boa vontade. Inegável a boa vontade dessa gente que bate nas nossas casas nas manhãs de domingo, de calor infernal inclusive. Calor que vem dando medo, se somado à decadência humana que nos chega por todas a mídias em todas as resoluções, dá pânico, na verdade. De repente tudo o que sempre soubemos revela-se verdade, mesmo! Somos roubados, enganados, dilapidados, explorados, feitos de idiotas todo o tempo, desde há muito. De repente tudo o que sabíamos que ia acontecer realmente acontece: o equilíbrio que nos possibilitou chegar até aqui foi abalado por nosso consumo alucinado de tudo que há e não há mais para ser consumido. Agora a terra começa a se relacionar conosco como o câncer que vamos sendo. 
E aquelas pessoas boas tem certeza de que tudo isso tem uma solução e é essa certeza que nos vem transmitir: esta esperança de que um mundo maravilhoso nos será restaurado para desfrute e deleite. Seus olhos realmente brilham, suas expressões serenas, vozes suaves, sorrisos amáveis. Eu presto pouca atenção nas suas palavras.
Agradeci, entrei com o folheto que anunciava a algo da forma de habitar aquele mundo com aquelas boas pessoas e me senti realmente tentado: seria realmente maravilhoso acordar a cada dia com aquela esperança, aquela certeza... um mundo perfeito num futuro tão aparentemente próximo... 
Seria por conta do clima de fim de ano? Ou do livro que estava lendo? Ou do clima de fim de mundo? 
Seja como for, foi que permaneci naquele estado por um tempo, um estado de querer crer, de esperar... Até balbuciei mantras de outros tempos, achei meu mala, pus no pescoço... Mas passou.
Passou, porque tudo passa se a gente deixa. E passam mais rápido coisas com as quais desafinamos. Meu desafino com as verdades duvidosas é desde que me lembro de mim. Guardo de uma palestra em que o Bhante Mudito disse que a um buddhista uma qualidade essencial é "querer saber a verdade, por pior que ela seja", me confirmou mais isso que eu já sabia: meu caminho é este que está por aqui e não tem jeito. Não me convencem outros poderes que não meus próprios feitos, outras bençãos que não minhas intenções, outras ajudas que não os dedos que apontam o caminho. Só acredito que há uma verdade, só espero um dia encará-la. Talvez a única exceção para essa paixão pela verdade seja com respeito à minha conta bancária. Evito ao máximo saber dela no momento.
No final é essa mente instável, sujeita a tentações deste tipo e de outros, reveladora da fragilidade e inconstância de nossa ilusão de posse e controle de um ego, é este prestar atenção e saber um pouco do que de fato vai ocorrendo que acabou por permitir passar o desejo por uma fé que fosse, que trouxe os pés de volta à trilha, que me lembrou de seguir aceitando ser o cão de palha, que no final das contas me parece ser a grande salvação.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

como uma ilha

"A noção que temos do espaço como uma estrutura contínua é apenas uma aproximação; se pudéssemos ampliá-lo com um super microscópio imaginário, veríamos um caos difuso, como bolhas de sabão amontoadas umas sobre as outras, vibrando, colidindo. Nessas distâncias minúsculas, muito menores do que o tamanho de um núcleo atômico, a própria noção de movimento como um processo contínuo deixa de fazer sentido; todo movimento é descontínuo, consistindo em saltos."
Ao buddhista estudioso e/ou praticante, este trecho do novo livro do físico brasileiro Marcelo Gleiser - A Ilha do Conhecimento - pode bem ser a descrição de estados avançados na prática da meditação vipassana.
O seguinte poderia ser um trecho de uma palestra sobre paticcasamuppada: "...o universo não 'existe lá fora', independentemente dos atos de observação. Pelo contrário, de forma ainda misteriosa, o universo é participatório." Mas é uma citação do físico teórico John Wheeler, feita no livro, para ilustrar o impacto que as observações e medições oriundas das pesquisas em física quântica tem na nossa concepção da realidade.
Já passei da fase de buscar validação científica para o buddhismo, mas continuo interessado em ciências e impressionado pelas convergências, geralmente nos pontos mais profundos, entre as duas abordagens. A ciência, em seu caminho de objetivação, medição, análise e replicação da realidade reafirma muitas das coisas do caminho buddhista da investigação introspectiva e vivência pessoal intensa. 
Neste livro, uma continuação do anterior - Criação Imperfeita - do qual já falei aqui, o autor desenvolve o questionamento das nossas limitações no que se refere a uma compreensão final e definitiva da realidade e o quanto o aprofundamento desta mesma compreensão corrobora a adoção de uma postura humilde e pragmática diante do mistério que nos envolve, tanto quanto daquilo que conseguimos saber, tornando-nos ilhas.
Na passagem ocorrida no bosque de sinsapa o Buddha deixou claro a razão de sua vida e de seu ensinamento. De toda compreensão que se possa ter da realidade, desde que ela sirva ao propósito declarado pelo Buddha, não há importância no tanto que se conhece e menos no tanto que permaneça desconhecido. O propósito é o fundamental para o buddhista. É saber porque sentar-se, porque manter a vigilância, porque esforçar-se, porque manter os preceitos que dirige a busca pelo conhecimento, e do conhecimento pessoal e direto o Buddha afirma a libertação, tornando-nos, justamente, ilhas de conhecimento no oceano do saṃsāra. Se o conhecimento final e absoluto, cada ilha saberá por si. 

Se clicar nos links nem precisa ler o texto!!

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