A ansiedade pode ser o dedo que nos aponta dukkha.
Algo que oculta a percepção de uma das três marcas da existência*, dukkha, é o movimento. Movemo-nos e nos tapamos a visão, desperdiçamos a chance de conhecer diretamente dukkha, a insatisfação, a marca do dissabor e decepção que reside em todos os fenômenos condicionados. Como o é o nosso corpo.
Sentados por um período e surge o desconforto. Postamo-nos de pé, então. E após um tempo o desconforto se mostra novamente para nós. Mas só o vemos o suficiente para disparar o movimento, como cães de Pavlov.
Algo tão simples como uma postura qualquer e tanto que perdemos em sabedoria por cordeiramente crermos na aparente simplicidade.
A vida não é simples assim.
Da mesma forma que não sei nadar mas entro no mar, vou linkar uma conversa que tive sobre ansiedade com este parágrafo aí de cima.
O que é a ansiedade se não uma movimentação mental incessante em busca do que não está aqui e agora? A mente correndo para lá e para cá atrás de suas próprias projeções? Parece que a mente ansiosa, da mesma forma que acontece com o corpo, sente o desconforto do momento presente. E logo muda sua 'postura'. Eis aí, neste ponto, a grande oportunidade que, aliás, me parece ser o que permeia todo o buddhismo, uma doutrina que não dicotomiza a vida em claro e escuro, para não dizer bem e mal, de, sabendo o que fazer e para que, qualquer fenômeno pode gerar sabedoria. É possível, para o ansioso, desde que esteja apto ao esforço e ao objetivo do Nobre Caminho, enxergar o valor de sua mente inquieta escancarado diante dos seus olhos.
Se continuo nesta minha audaciosa incursão por caminhos que conheço meramente via Google Maps, o raciocínio que naturalmente segue é que se a mente ansiosa muda sua 'postura' obsessivamente é porque sente o desconforto, a decepção que há no momento presente, o desgosto dos condicionados fenômenos que se lhe apresentam aqui e agora. O problema é então uma questão de, 'apenas', permanecer um pouquinho mais com a percepção ao invés de se permitir o instantâneo 'pula para outra coisa'! Não seria isso, ora bolas?! Veja, supondo que já haja uma percepção de dukkha, o problema é que ela é fugaz, ou "fugaziada" pelo automatismo desatento da fuga! Quer dizer, o ansioso tem razão, embora talvez tema vir a verdadeiramente saber, realmente é insatisfatório o momento, o problema é que o próximo, fato que lhe é ocultado por sua incontroladamente ativa , reativa e, não raras vezes, inteligente cabeça, também o será. Pelo menos enquanto não nos damos conta e não aceitamos isto. E para que tal aceitação surja precisamos experienciar o momento por inteiro, sem fugas, pulos e movimentos. Eis aí o que perde o ansioso, ainda mais quando Caminhante, se atabalhoadamente sofre sua ansiedade sem enxergar nela o poder que, na minha amadora opinião, parece ter.
Eu, que faço parte da comunidade calva mundial, sei o quanto custa olhar no espelho e ver o que é refletido. Mas não há remédio além da aceitação e um corte legal no que resta de cabelo. Há quem prefira a peruca.
Não há quem goste da ansiedade (e de peruca?). Talvez, o ponto de vista que expus aqui sugira uma forma de lidar com o problema mais estimulante que a frequentemente vã batalha por sua correção e mais positiva que a aceitação obtusa e pseudoinconsciente de sua existência. Talvez, pela percepção sábia e presente, a ansiedade naturalmente se desgaste. Ou se revele chata, inútil, ilusória, cansativa e dispensável. Coisas que já sabemos mas não nos regalamos na experiência, que é o que efetivamente conta!
Seja como for, é uma receita que vem funcionando muito bem para mim (logo, não tão Goolge Maps assim!). Para cada coisa ruim que percebo, antes do desgosto (ou um pouquinho depois...), tento achar o que há para aproveitar do monte.
*Para uma breve explicação das três marcas, clique ao lado nas abas anicca, dukkha e anatta.
Um comentário:
muito obrigado, pelas sabias reflexões e por nos compartilhar.
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