"Bastou a um príncipe indiano ver um velho, um inválido e um morto para compreender tudo; nós que também os vemos não compreendemos nada, pois nada muda em nossa vida. Não podemos renunciar a coisa alguma; no entanto as evidências da vaidade estão ao nosso alcance. Doentes de esperança, esperamos sempre; e a vida não é mais do que a esperança hipostasiada."
diz emil cioran no ensaio imunidade contra a renúncia do livro breviário de decomposição, editora rocco.
em um diálogo onde surgiu o assunto nibbana, conversamos que este está além de toda comparação, compreensão, conceituação.
parece correto.
mas penso que é preciso ter o cuidado de observar que aceitar esta noção de o nibbana ser assim tão indizível de uma forma muito empolgada pode ser mais uma estratégia do nosso sistema imunológico anti-renúncia.
porquê nos falta, em princípio, um parâmetro para comparar, passamos, sutilmente, a relacionar a alegria da prática buddhista àquilo que unicamente conhecemos como alegria, que são as sensações próprias do nosso modo de existir: basicamente a satisfação de um desejo. é natural que comecemos a tentar, por mais que nos informem do contrário, encaixar o nibbana naquilo que é o problema a ser sanado por sua realização, e passamos a reforçar nosso natural instinto de afirmação da única forma de existência que conhecemos: aquela baseada no eu existo.
uma vez que do nibbana não se possa dizer que é existência nem não-existência, para qual lado nossos imuno-soldadinhos vão sorrateiramente pender?
as palavras entram pelos ouvidos e olhos e saem da boca mas no meio deste trajeto, entre a entrada e a saída, são contaminadas pelos anticorpos anti-renúncia.
há sempre uma reticência, há sempre uma tentativa de enxergar na vida, condicionada como ela é e, sendo condicionada, uma causa de insatisfação e decepção segundo o Buddha, um valor, um algo que nos justifique manter nosso ponto de vista inato de que não é dukkha. ou, se é, dukkha não é tão ruim assim, sussurramos para nós mesmos.
renúncia, em termos buddhistas, não é uma coisa fácil.
não é, certamente não é, uma coisa simples experimentar o sofrimento que existe na satisfação da fome ou que a verdadeira paz é fruto de não ter mais fome. abrir mão da fome, de taṇhā, não é coisa simples, talvez trabalho para uma vida ou mais, mas de forma alguma ajuda se permitir debater com aquilo que o Buddha disse tão claramente e que uma observação e contemplação sinceras, mesmo que a mente ainda seja desprovida de elevadas aquisições meditativas, é capaz de nos mostrar, nas minhas palavras: a vida é a manifestação de um problema que só o nibbana pode resolver.
existe alguma tristeza nesta última afirmação?
a resposta mais precisa é a vida do próprio Buddha.
após seu despertar, viveu por muitos anos em alegria e energicamente ensinando só isso, a insatisfação e seu fim.
meu esforço como Seu seguidor não é outro além do de descobrir como ser verdadeiramente feliz enquanto resultante partícipe deste turbilhão de enganos.
mas sem tentar mudar Suas palavras. sem sonhar com outra vida. sem me revoltar contra o óbvio.
sem piorar as coisas.
parece correto.
mas penso que é preciso ter o cuidado de observar que aceitar esta noção de o nibbana ser assim tão indizível de uma forma muito empolgada pode ser mais uma estratégia do nosso sistema imunológico anti-renúncia.
porquê nos falta, em princípio, um parâmetro para comparar, passamos, sutilmente, a relacionar a alegria da prática buddhista àquilo que unicamente conhecemos como alegria, que são as sensações próprias do nosso modo de existir: basicamente a satisfação de um desejo. é natural que comecemos a tentar, por mais que nos informem do contrário, encaixar o nibbana naquilo que é o problema a ser sanado por sua realização, e passamos a reforçar nosso natural instinto de afirmação da única forma de existência que conhecemos: aquela baseada no eu existo.
uma vez que do nibbana não se possa dizer que é existência nem não-existência, para qual lado nossos imuno-soldadinhos vão sorrateiramente pender?
as palavras entram pelos ouvidos e olhos e saem da boca mas no meio deste trajeto, entre a entrada e a saída, são contaminadas pelos anticorpos anti-renúncia.
há sempre uma reticência, há sempre uma tentativa de enxergar na vida, condicionada como ela é e, sendo condicionada, uma causa de insatisfação e decepção segundo o Buddha, um valor, um algo que nos justifique manter nosso ponto de vista inato de que não é dukkha. ou, se é, dukkha não é tão ruim assim, sussurramos para nós mesmos.
renúncia, em termos buddhistas, não é uma coisa fácil.
não é, certamente não é, uma coisa simples experimentar o sofrimento que existe na satisfação da fome ou que a verdadeira paz é fruto de não ter mais fome. abrir mão da fome, de taṇhā, não é coisa simples, talvez trabalho para uma vida ou mais, mas de forma alguma ajuda se permitir debater com aquilo que o Buddha disse tão claramente e que uma observação e contemplação sinceras, mesmo que a mente ainda seja desprovida de elevadas aquisições meditativas, é capaz de nos mostrar, nas minhas palavras: a vida é a manifestação de um problema que só o nibbana pode resolver.
existe alguma tristeza nesta última afirmação?
a resposta mais precisa é a vida do próprio Buddha.
após seu despertar, viveu por muitos anos em alegria e energicamente ensinando só isso, a insatisfação e seu fim.
meu esforço como Seu seguidor não é outro além do de descobrir como ser verdadeiramente feliz enquanto resultante partícipe deste turbilhão de enganos.
mas sem tentar mudar Suas palavras. sem sonhar com outra vida. sem me revoltar contra o óbvio.
sem piorar as coisas.
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