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quinta-feira, 15 de julho de 2010

mentira, mentira, mentira

Desde que comecei a ler este texto do bikkhu Bodhi, ponderá-lo e mantê-lo como referência em comparações e estudos, minha compreensão sobre os preceitos buddhistas, sobre sila, vem se transformando, ganhando clareza e fortificando minha convicção no Caminho.
E, especialmente o trecho em que ele disserta sobre o abster-se de mentir, abster-se do uso da comunicação como recurso para o engano, me gerou uma percepção que,  talvez de tão  aparentemente simples depois de surgida, me enche de uma energética alegria a cada vez que o contemplo:

It is said that in the course of his long training for enlightenment over many lives, a bodhisatta can break all the moral precepts except the pledge to speak the truth. The reason for this is very profound, and reveals that the commitment to truth has a significance transcending the domain of ethics and even mental purification, taking us to the domains of knowledge and being. Truthful speech provides, in the sphere of interpersonal communication, a parallel to wisdom in the sphere of private understanding. The two are respectively the outward and inward modalities of the same commitment to what is real. Wisdom consists in the realization of truth, and truth (sacca) is not just a verbal proposition but the nature of things as they are. To realize truth our whole being has to be brought into accord with actuality, with things as they are, which requires that in communications with others we respect things as they are by speaking the truth. Truthful speech establishes a correspondence between our own inner being and the real nature of phenomena, allowing wisdom to rise up and fathom their real nature. Thus, much more than an ethical principle, devotion to truthful speech is a matter of taking our stand on reality rather than illusion, on the truth grasped by wisdom rather than the fantasies woven by desire.

Traduzindo pode ficar assim:

É dito que no curso de sua prática rumo ao despertar ao longo de muitas vidas, um Boddhisatta pode quebrar todos os preceitos morais exceto o compromisso de falar a verdade. A razão para isso é muito profunda e revela que o compromisso com a verdade tem um significado que transcende o domínio da ética e até mesmo da purificação da mente, levando-nos ao domínio do conhecimento e da existência. A fala verdadeira provê, na esfera da comunicação interpessoal, um paralelo com a sabedoria na esfera da compreensão individual. As duas são, respectivamente, as modalidades externa e interna do mesmo compromisso com o que é real. Sabedoria consiste na realização da verdade, e por verdade (sacca) não se entende apenas uma afirmação verbal, mas sim a natureza das coisas como elas realmente são. Para realizar a verdade, nosso ser inteiro deve ser conduzido em conformidade com a realidade, com as coisas como elas são, o que requer que, na comunicação com os outros, nós respeitemos as coisas como elas são, falando a verdade. A fala verdadeira estabelece uma correspondência entre o nosso ser interno e a real natureza dos fenômenos, permitindo que a sabedoria desperte e investigue a sua real natureza. Assim, muito mais que um princípio ético, a devoção para com a fala verdadeira é uma questão de tomar posição em favor da realidade ao invés da ilusão, da verdade apreendida pela sabedoria ao invés das fantasias tecidas pelo desejo. 

E observando o mundo comprovo a onipresença da mentira.
Como gostamos de estórias.
Gostamos de todos os tipos de mentiras: desde aquelas inofensivas, contadas por aquele mentiroso compulsivo que há em quase todo grupo de amigos, aquela pessoa que sempre tem um fato engraçado, pitoresco ou interessante para contar de uma vez que aconteceu com ela, até as dos terríveis mentirosos que nos prometem tanto tantas vezes. Que aparecem a cada ciclo eleitoral com soluções arrojadíssimas para inúmeros problemas que a mera honestidade solucionaria.
Adoramos a beleza dos fotoshops, dos efeitos especiais, das maquiagens e roupas.  Adoramos os aromas dos perfumes. Nos deleitamos com os sabores da existência. O progresso nos oferta, cada vez mais, infindáveis opções de fantasias e proteções.
Dentro destas armaduras a realidade segue.
É uma opção que é feita cada vez mais às cegas. Tudo é mantido e engendrado de tal forma  a nos fazer ignorar que há algo que não se pode deter por baixo da cobertura. E é por que todos gostamos! É da natureza de avijja, o mal de que todos padecemos, gostar disso. Não é  'por mal' que mentem para nós. E porque mentimos. Num sentido mais fundamental, parece que nos enganamos porque só sabemos viver assim.
Até que alguém desperte!
Não é fácil aceitar que mentimos. Aceitar que construímos a vida, mesmo coisas das quais gostamos tanto, sobre algum(s) tipo(s) de mentira. E que até mesmo o gostar pode ser mentira! Aquele mentiroso do nosso grupo não é boa companhia? Alegre, divertido, descontrai! Faz a gente rir! Sempre está acompanhado. Quem não tem o dom de contar estórias não é tão popular. Sua vida comum e sem aventura não interessa a ninguém! Nem a ele mesmo!
Não sabemos o valor da realidade.
Nossa ignorância nos assegura que pensar em morte, envelhecimento, doença e introspecção e auto-conhecimento é uma coisa desagradável. Parece que temos que optar pela beleza da rosa ou pela matéria podre que lhe possibilita a vivacidade!
Será que precisamos escolher entre esta dualidade? Ou existe uma possibilidade de ver a inadequação que existe em ambas as aparências?
A atenção diligente nos permitirá ir além. Tanto das mentiras que nos contamos quanto da realidade que nos amedronta. Se vencermos o medo inicial e persistirmos com confiança, o Buddha nos oferece a paz de não precisar escolher. Nos diz que a visão da realidade nos liberta da dependência dos gostos e desgostos para nos sentirmos vivos. Nos livra do apreço pelas construções, pelos engendramentos que parecem dar graça às nossas vidas.
Talvez eu continue...

2 comentários:

teste disse...

Olá Jorge,
Obrigado pelos seus excelentes textos, que devem ajudar a muitas pessoas...
Gostaria de notificar um problema que encontrei no final de seu Blog - onde há aqueles vídeos da vida do Buddha - o vídeo IV e o V estão quase "dentro" um do outro...
Seu post me lembrou um sutta que dizia que não devemos mentir nem mesmo de brincadeira (Ambalatthikarahulovada Sutta)...
Com Metta,

Jorge disse...

Obrigado Rarysh!
Vou verificar!

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