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domingo, 24 de julho de 2011

girando as rodas

Morar numa cidade grande com muitos carros é terrível. E numa cidade pequena com muitos carros também. Ou pode ser pior! Eu não cheguei a cronometrar mas sei que levo muito tempo percorrendo trechos muito curtos porque, de carro, os percorro muito mais  parado! Se é final de semana então...
Aí eu comprei uma bicicleta.
E como não pode deixar de ser, eu vi algo mais nisso do que simplesmente ganhar tempo e agilidade. Além de que o sedentário que dormita em meu ser exigiu boa argumentação antes de aceitar tão importante decisão.
Os benefícios para o mundo que geramos ao deixar o carro na garagem são bem conhecidos, mas contemplei alguns outros, como sempre, tentando manter-me sob a luz do dhamma.
O carro, sabemos, é o símbolo máximo de nossa sociedade de consumo. Fundamenta tudo que nos faz ser o que somos como civilização: infla-nos o ego, nutre nossa ilusão de poder e controle, condiciona nossas ambições e sonhos de liberdade, por ele cobrimos com liso pavimento nosso caminho naturalmente acidentado, ultrapassamos uns aos outros e nos tornamos velozes e furiosos. E quanto mais tecnologia, mais nos fazemos dependentes. Trocar estas caixas de devaneio por uma bicicleta nos coloca numa trilha bem mais real. A verdade de  nossos limites fica clara, e como os meus são exibidos, aliás! Confrontar o corpo pode ser um insight e tanto! Não poder ligar o ar, ter que esperar da natureza uma brisa ou a sombra, usar os ouvidos de novo como um sentido ao invés de só ouvir música, estar muito mais atento ao que ocorre e corre à minha volta, temer os cães ao invés de ameaçá-los ou nem se dar conta deles, tomar chuva, ofegar, parar para respirar e tomar água, descobrir como há ladeiras neste mundo e que os sobe-e-desce da vida são mesmo uma questão de ponto de vista, de onde se vem e para onde se quer ir, a conscientização de que chegar depende de, às vezes, ter que descer e empurrar não importando quantas marchas se tenha, enfim, é uma vivência muito mais orgânica do movimento, uma integração com o corpo que a poderosa mecanocinestesia dos automóveis faz esquecer.
E a dor muscular. Por enquanto, desconfio que tenha descoberto a única coisa permanente da existência!
Mas sigo feliz. E, ainda, esperançoso com respeito a frear o veloz avolumar-se da cintura, assentado no dhamma, girando as rodas e vigilante sempre, pois, claro, a mente ignorante dá um jeito de estragar as coisas como, por exemplo, quando se ouve coisa do tipo: 'ô meu tio, sai da frente com esta &#$@%!!!' E se pensa, do alto de umas imaginadas sabedoria e compaixão: 'ah meu filho, eu também já fui assim!...'

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