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segunda-feira, 30 de julho de 2012

vários dedos, diversas luas


"We happened to mention earlier that the term Tathāgata was already  current among ascetics of other sects. But it is not in the same sense that  the Buddha used this term. For those of other sects, the term Tathāgata  carried with  it  the prejudice of a soul or a self, even  if  it purported  to  represent  the  ideal of emancipation."

"Mencionamos anteriormente que o termo Tathāgata já era usado entre ascetas de outras seitas. Mas não no mesmo sentido em que o Buddha usava o termo. Para os de outras seitas, o termo Tathāgata carregava o preconceito de uma alma ou um ego, mesmo que com o significado de representar o ideal da emancipação." 

é o que diz o venerável bhante ñanananda no 21º sermão da série "nibbana - the mind stilled".
este trecho me fez refletir em que apesar de todos falarmos em tolerância, respeito à diversidade e pontos de vista, vira e mexe ainda fazemos força para igualar coisas demais e, a meu ver, de forma absolutamente desnecessária.
há muito gosto, por exemplo, pela famosa metáfora do dedo que aponta a lua. esta imagem é sempre usada quando queremos dizer que todos os caminhos levam a um só fim, que todos os grandes mestres falaram da mesma coisa, chegaremos todos ao mesmo objetivo, então, vamos dar as mãos. 
mas será que precisamos desta ideia para darmos as mãos? 
acho que não.
quando usamos a imagem desta forma, a lua é o grande mistério, aquilo que está além do além, o indizível. os dedos são as tentativas de nos direcionar para a grande incógnita. 
eu penso um pouco e chego à conclusão de que falar sobre tal conceito é falar sobre nada ou, pior, sobre qualquer coisa. e o Buddha, que nos últimos anos é, dos grandes, Aquele para o qual tenho me voltado completamente, desde que decidiu-Se por falar sobre o mistério que descobriu por Si mesmo, decisão descrita como difícil no cânone antigo, note-se bem, falou bastante, explicou, instruiu, definiu e estabeleceu a verdade que realizou da melhor forma que pode, assim como diversos dos Seus seguidores tempo afora, incluso os dias de hoje, conforme atestam o trecho que citei e muitos outros que estão indicados por este blog.
não sei como (na verdade até sei um pouco mas não o suficiente para afirmar que sei) é com os outros, mas acredito que todos os grandes definiram bem aquilo que os seus dedos apontaram. e, no limite do meu conhecimento, vejo diferentes luas.
certa vez disse isso mesmo numa lista de discussão quando surgiu a metáfora com aparente intenção ecumênica. afirmei que me parecia haver diferentes luas e não me lembro de ter havido continuidade na conversa. talvez porque eu ainda tenha muito o que evoluir ou porque as pessoas tomem isso como uma atitude antipática, radical, exclusivista e por aí... nada mais oposto à verdade (exceto a questão da evolução) no que diz respeito a mim. 
eu sinto desconforto é justamente quando vejo, por exemplo, buddhistas dialogando sobre deus com algum teísta porque, quando é alguém que se balize pelo cânone buddhista, é inevitável que a coisa, o conceito deus, vá sendo torcido, torcido, torcido até que não sobre nada do pobre criador, princípio de tudo, pai de todos, a despeito de todo respeito e sincero desejo ecumênico do buddhista em questão. e os envolvidos no tal diálogo acabam se protegendo e se aconchegando no grande mistério, ou nada, ou qualquer coisa.
acho que não precisamos disso.
porque já temos o suficiente de pontos em comum: todos queremos o bom para nós. 
claro, simples e ponto. 
e para isso há a regra de ouro escrita por todos os dedos de bom senso: aja com os outros como quer que ajam contigo. simples. nada mais a dizer.
mas ainda podemos conversar sobre as luas e os mistérios. 
mas me parece uma atitude muito mais sábia, compassiva, e sinceramente ecumênica eu continuar amando a quem tem plena convicção de que meu destino final é o quinto dos infernos ou algo que o valha. e da mesma forma eu continuar a ser amado por ele mesmo que eu afirme, sem medo, que não há a menor possibilidade de eu aceitar qualquer concepção de deus que tenha sido pensada até hoje. nós precisamos nos amar sem tentativas sempre vãs de nos equalizar desprezando o que realmente tem valor: que o efeito, tanto da minha busca pelo fim do mundo quanto a de uma busca pela vida eterna, por exemplo, seja uma existência cada vez menos ruim, aqui e agora, para mim, para você e para quem não tem qualquer interesse pelo que acabei de escrever.
se o grande mistério for realmente o mesmo, se no final nos encontrarmos numa mesma lua, façamos lá uma grande festa, oras bolas!

***

lembrei de uma passagem daquele que considero um de meus professores adjuntos de dhamma, o josé saramago. no livro "o evangelho segundo jesus cristo" ocorre, em certa altura, de estarem jesus e o diabo num barco, em mar aberto, e deus no céu. os três entretendo um colóquio meio profundo quando, num dado momento, uma poderosa voz manifesta-se acima deles. 
os três tremem.
mas, afinal, dão de ombros e a estória segue.

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