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domingo, 22 de julho de 2012

23.4

muito antes de buddhista eu já era ateu.
encontrei bem cedo razões para não crer em um criador, princípio de tudo, pai de todos, todo bondade e outros atributos consensuais nas tradições teístas. e no buddhismo aprofundei e confirmei minhas razões.
vez ou outra me dizem que não há ateus num avião caindo. eu penso que a falha de quem diz é esperar estar num avião para tomar consciência da queda. eu busco esta consciência todo o tempo e com isso torno-me ciente também da necessidade de proteção.
é grande.
pensei nisso por uns dias por conta de conversas com bons amigos evangélicos. nestas conversas às vezes surge certa comoção e tristeza pela minha eventual condenação no dia do juízo.
infelizmente não há o que eu possa fazer.
até lá, vamos nos ouvindo. 
o que inspirou este texto foi uma instrução que recebi para manter a bíblia, eu preciso adquiri-la primeiro, aberta no salmo 23 e comprovar a proteção que vou obter.
o salmo é bem conhecido, na verdade. ouvia de minha mãe. 
está assim na rede a parte que me foi recomendada:

"ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo: a tua vara e o teu cajado me consolam."

uma poderosa afirmação de proteção.
como eu disse, muito cedo eu manifestei meu ateísmo, lá pelos 10, 11 anos. um protoateísmo na verdade é a palavra que preciso inventar.
o curioso é que não criei aversão por religião ou religiosidade. embora as primeiras aulas de darwin tenham me arrebatado, eu continuei capaz de orar ainda que com a sensação de estar falando sozinho.
até hoje me pego falando sozinho e às vezes sinto como se estivesse orando...
talvez isso ajude a explicar o fato de eu manter bons relacionamentos com religiosos em geral e de estes serem, quase sempre, meus bate-papos preferidos. estes bate-papos muitas vezes abrem janelas pelas quais olho para dentro e para fora do mundo... fico matutando sobre o que ouço e que significado aquilo pode ter para mim...
e desse jeito mantive o salmo na cabeça procurando pela minha própria proteção. porque eu não posso ficar desprotegido. eu estou sempre no vale, é onde eu vivo, sempre sob a sombra da morte.
o vale é povoado de egos insurgentes e conflituosos, sempre nascendo e morrendo e até se matando uns aos outros, sempre... e eu atento, sob a sombra da morte tentando não nascer...
tentando aceitar o mal inevitável e compreender o que posso evitar, tomo a vara e o cajado para mim. a vara me alerta para a dor que vem de me acomodar no descuido e no deleite nascendo sob a sombra.
a vara me lembra que a sombra é da morte.
o cajado me ajuda a descobrir a terra fofa e movediça da preguiça, as pedras das opiniões inamovíveis, os buracos do egotismo, os espinhos da fala imprópria.
é o cajado que mais uso pois o que mais faço é caminhar.
e caminhando pelo vale vou descobrindo o que os bons amigos me querem dizer, ou talvez lhes mostrando o que ouço quando falam.
tomara que importe tanto para eles quanto é importante para mim.



2 comentários:

Marilis disse...

ou:"A tua vara e a tua foice me consomem..." (vejo aí ainda a duplicidade)

Álvaro Diogo disse...

Adorei o texto!

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