O Buddha simplificava as coisas.
Nos suttas antigos, quem sou eu para falar nos suttas antigos? Parênteses. Mas sou um releitor permanente dos eruditos que podem falar, então replico o que destes consigo apreender...
Nos suttas antigos o Buddha utiliza comparações frequentes com elementos do cotidiano ordinário de seus ouvintes para transmitir seus insights. São vários os símiles e parábolas com arcos, serras, fogo, pedra, pregos, árvores, barcos e etc. que o Buddha belamente constrói e utiliza de forma sempre iluminadora e desconcertante como forma de, com palavras, dar instruções para que sigamos rumo ao indizível. Aqui é um momento em que eu deveria colar trechos daqueles suttas para corroborar minha afirmação, mas eu não planejei escrever isso aqui e não sou muito de fazer anotações nas minhas leituras. Fica por sua conta buscar pelas provas. Há muito material disponível.
O Buddha não promete pouco. É o completo fim do sofrimento o que ele garante. Ainda assim, é sempre claro, limpo, simples nas suas falas. Para nos levar ao fim completo do sofrimento ele nos indica o que investigar: nosso próprio sofrimento, aqui, agora, nesse corpo. Não nos manda contemplar a beleza transcendental da vida. Se você é um feliz e satisfeito mas ainda assim quer praticar o buddhismo, eu acho, eu, veja bem, outro parêntese, eu acho que você vai precisar aguçar sua percepção para a dor que existe nessa sua felicidade...
Mas voltando ao simples, estas linhas proliferaram na minha cabeça e forçaram sua vinda para cá depois de umas leituras que fiz por estes dias. Primeiro aqui, este texto do professor Ricardo Sasaki e, nos dias seguintes, dois outros que não vou citar. Enquanto o primeiro me parece estar em linha com aquilo que penso, os outros dois desalinham completamente. Apesar de serem de mestres que respeito, eles complicam, e complicam muito, seguindo devotamente uma longa linhagem de complicadores do Buddha Sasana surgida pelos milênios de expansão dos ensinamentos.
É quase como se pensassem assim: se eu falar o simples, e eles entenderem, como é que eu fico?
Pensassem inconscientemente, talvez, pelos milênios afora até hoje... Sei lá, entende?
O Buddha ensinou e se mandou. Quando morreu, disse que nosso mestre seria o que ele deixou ensinado, ponto. Percebe o link com o texto do Sasaki? Nossa relação com um mestre deve ser a de buscar entender, e entender o que é dito para por em prática, e não passar a vida agarrado em seu manto encantado com a profundidade ininteligível do que ele fala. E ao mestre cabe a disposição de falar o que se pode entender...
Ouviu, entendeu, praticou, realizou, parabéns. Gratidão e respeito eternos, caso esse negócio de eternidade exista.
Quem é de nibbāna, nibbāneia. Quem é bodhissatta, boddhissatteia.
No livro que estou traduzindo, biografia e ensinamentos do Venerável Paññāvaḍḍho, terminei agora um capítulo em que há o seguinte trecho: Quanto
mais vocês puderem conhecer o Dhamma, mais vocês terão um
professor interno para guiá-los. Vocês provavelmente tem um
professor externo, o que é necessário; mas, em última instância,
vocês devem substituir o professor externo pelo interno. Quando isso
tiver sido feito, vocês não precisam mais estar com um professor.
Vocês podem praticar sozinhos, então.
Ser capaz de estar sozinho pode ser um estágio distante para a maioria de nós, mas é o espírito da coisa que precisa ser compreendido...
Mas voltando ao simples, quando o Buddha simplificava as coisas, me parece claro ser essa a intenção, que as pessoas entendam e sigam o caminho do abandoneísmo, conforme o Venerável Kaṭukurunde Ñāṇananda maravilhosamente explica.
As coisas, os ensinamentos, são para uso e descarte. Quanto mais simples for, melhor. A gente vai por etapas, gradativamente, mirando o fim.
Isso nos leva ao símile da jangada elaborado pelo Buddha, mas deixa isso pra outro dia, talvez.
*Escola fundada por um amigo que gosta de complicar as coisas...
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