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sábado, 24 de janeiro de 2015

tentação

Na manhã do último domingo de 2014 eu estava lendo Ensinamentos de Buddha, Ensinamentos de Cristo, livro do mestre tailandês Ajahn Buddhadasa, publicado pela Edições Nalanda, quando chamaram no portão os Testemunhas de Jeová. Eu estava bem inter religioso. Como sempre, ouvi, sorri, agradeci, fui legal... Eu realmente respeito pessoas boas, com boa vontade. Inegável a boa vontade dessa gente que bate nas nossas casas nas manhãs de domingo, de calor infernal inclusive. Calor que vem dando medo, se somado à decadência humana que nos chega por todas a mídias em todas as resoluções, dá pânico, na verdade. De repente tudo o que sempre soubemos revela-se verdade, mesmo! Somos roubados, enganados, dilapidados, explorados, feitos de idiotas todo o tempo, desde há muito. De repente tudo o que sabíamos que ia acontecer realmente acontece: o equilíbrio que nos possibilitou chegar até aqui foi abalado por nosso consumo alucinado de tudo que há e não há mais para ser consumido. Agora a terra começa a se relacionar conosco como o câncer que vamos sendo. 
E aquelas pessoas boas tem certeza de que tudo isso tem uma solução e é essa certeza que nos vem transmitir: esta esperança de que um mundo maravilhoso nos será restaurado para desfrute e deleite. Seus olhos realmente brilham, suas expressões serenas, vozes suaves, sorrisos amáveis. Eu presto pouca atenção nas suas palavras.
Agradeci, entrei com o folheto que anunciava a algo da forma de habitar aquele mundo com aquelas boas pessoas e me senti realmente tentado: seria realmente maravilhoso acordar a cada dia com aquela esperança, aquela certeza... um mundo perfeito num futuro tão aparentemente próximo... 
Seria por conta do clima de fim de ano? Ou do livro que estava lendo? Ou do clima de fim de mundo? 
Seja como for, foi que permaneci naquele estado por um tempo, um estado de querer crer, de esperar... Até balbuciei mantras de outros tempos, achei meu mala, pus no pescoço... Mas passou.
Passou, porque tudo passa se a gente deixa. E passam mais rápido coisas com as quais desafinamos. Meu desafino com as verdades duvidosas é desde que me lembro de mim. Guardo de uma palestra em que o Bhante Mudito disse que a um buddhista uma qualidade essencial é "querer saber a verdade, por pior que ela seja", me confirmou mais isso que eu já sabia: meu caminho é este que está por aqui e não tem jeito. Não me convencem outros poderes que não meus próprios feitos, outras bençãos que não minhas intenções, outras ajudas que não os dedos que apontam o caminho. Só acredito que há uma verdade, só espero um dia encará-la. Talvez a única exceção para essa paixão pela verdade seja com respeito à minha conta bancária. Evito ao máximo saber dela no momento.
No final é essa mente instável, sujeita a tentações deste tipo e de outros, reveladora da fragilidade e inconstância de nossa ilusão de posse e controle de um ego, é este prestar atenção e saber um pouco do que de fato vai ocorrendo que acabou por permitir passar o desejo por uma fé que fosse, que trouxe os pés de volta à trilha, que me lembrou de seguir aceitando ser o cão de palha, que no final das contas me parece ser a grande salvação.

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