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Buscando...?

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

menos

Mais uma manhã sobre a almofada. 
Manhã de natal.
Moro num lugar em que as manhãs são sonoras. Pardais, pombos, bem-te-vis, galos, vários outros cantos e trinados, alguns latidos.
A natureza me diz que este é mais um amanhecer. E só.
Nada demais.
Sem fixação, me dizem os pássaros, não há nada de especial, só respire com atenção, nos ouça e nos deixe, estamos só sendo, como você, só respire atento ao ar que passa, ao momento que passa, deixe ir. Deixe-se ir, como inevitavelmente você vai, como nós vamos, como se vai tudo no espaço em que o seu corpo aflora, como se vai tudo no tempo em que sua mente cria. 
Menos uma manhã.
Nada mais.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O Descaminho Do Bodhichátova

É um tipo numeroso. Você provavelmente conhece um. Quer ele se denomine bodhisattva, cristão piedoso, rotariano, espírita caridoso ou o que for. 
Ele ou ela se orgulha da própria bondade, humildade, modéstia e generosidade. Um nobre, enfim. 
O bem que faz continua sendo ótimo para aquele que recebe, mas vá conviver com o tipo. Uma benção para os distantes, um tormento para os próximos.
Não raro uma pessoa autoritária, dona da verdade, aquela que sabe. A que nos contempla do topo do monte, de onde nos prega, guia e salva.
No início do meu buddhismo, essa coisa do bodhisattva sempre me incomodava. Não engolia essa obrigação de iluminar o universo. Com o tempo e o estudo, compreendi melhor a coisa e convivo bem com a ideia hoje. Ao meu modo.
É que pensar nos outros é funcional para o Despertar. 
Simples assim. 
Uma vez que o Despertar é ou se revela fundamentalmente ao desfazer a ilusão de que existe o ego, pensar nos outros é um modo prático de ir esmerilhando a ideia do eu.
E não é só isso.
A bondade é funcional. O bom humor, o otimismo, a alegria também são. 
É a arte de fazer limonadas.
Contemplar o vazio de um refrescante copo de limonada é muito mais fácil que de um azedo limão.
Saber da desgraça que é a vida é básico. Identificar e valorizar o que há de tolerável e bom na vida é funcional para acabar com esta mesma desgraça.
Para meditar, preciso de uma mente contente. Parece que há mesmo raízes biológicas no sentir-se bem ao fazer o bem, já li isso em algum lugar. Logo...
Aquele tipo do qual comecei falando é um dos imbróglios do querer ser bodhisattva, que nos deixam ressabiados com essa coisa de abnegação. Porque é a distorção em pessoa a nos expor à perigosa falácia do desprendimento. Nós todos, no íntimo, sabemos do quase absurdo que é a ideia de fazer o bem sem esperar algo em troca. Queremos sempre algo em troca. Fazemos o bem para sentirmo-nos bem, no mínimo. Ao menos aqueles de nós que são sinceros e não altamente realizados. 
Ao eu, que imaginamos ser, alimentamos com a ideia da santidade.
Muito melhor, me parece, é fazer o bem porque é bom para mim: medito melhor. 
Se estou em paz na vida, se me permito a alegria de dar água ao beija-flor, que é um bichinho feroz e violento, medito melhor; se me permito a alegria de contemplar a beleza da flor, este estágio que prenuncia sua morte e apodrecimento, medito melhor.
E vamos vivendo, fazendo o bem. Reconhecendo e aceitando nossa realidade, tudo fica mais pacificado.
Estou numa fase de grande interesse pelo dzogchen, em grande parte porque do que vou elucubrando das preleções do Bhikkhu Kaṭukurunde Ñāṇananda, acho que o dzogchen está lá, nos suttas antigos. Lendo bastante sobre o assunto, passei pelo seguinte trecho do ótimo livro de um dos vários mestres do buddhismo chamado mahayana que transitam por essa prática:

"Muitas vezes, em nome do amor, acabamos desenvolvendo um ego enorme, quando o queríamos pequeno. A motivação é o nosso bem-estar, não o de nossos semelhantes. Ajudar os semelhantes, sem dúvida, nos deixa felizes por nossos atos, mas, como o ovo e a galinha, a questão é o que vem primeiro, qual é a nossa intenção original. Portanto, não se apresse a doar cegamente todos os seus bens materiais. Aos poucos, descobrirá o que realmente quer entregar ao mundo e aos outros. Faça o que tem a fazer sem deixar nada para trás e sem se forçar de maneira alguma. Vá devagar, avaliando bem suas ações."

por Gyalwang Drukpa
Editora Pensamento

Todos apreciam e gostariam de ser salvadores do universo. Eis o sucesso dos filmes dos Vingadores a demonstrar.
Mas é essencial voltarmos nosso olhar equânime e compassivo para a nossa própria necessidade de salvação.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

uma coisa é outra coisa

"O mundano aliado ao desejo que continua vagando pelo saṁsāra por um longo tempo, não pode ir além da dualidade de 'esse modo' e 'outro modo'. No momento em que ele agarra um estado de existência como um 'esse modo', este objeto torna-se sujeito à alteridade. Isto é o que é chamado de impermanência, a tragédia inexorável da presunção de existência. A vida é uma luta vã para resistir à 'alteridade'."



Venerável  Bhikkhu Kaṭukurunde Ñāṇananda no Facebook

Venerável Bhikkhu Kaṭukurunde Ñāṇananda no Google Plus

sábado, 26 de setembro de 2015

corpo esquecido

Como se fosse um saco cheio de vários tipos de grãos e pela sua abertura olhássemos e identificássemos cada um dos tipos contidos nele, assim nos pomos a dissecar o corpo, discriminando suas partes e órgãos. Esta foi uma das formas que o Buddha nos ensinou, no satipaṭṭhāna sutta, para instigar o questionamento de nossa identificação com nossos corpos. Uma outra é a contemplação do processo de desintegração de cadáveres.
Quando o Buddha dizia que seu ensino ia contra a corrente do mundo, muitos de então talvez não imaginassem como isso soaria dois mil e quinhentos anos depois.
Hoje, com todos os recursos que há para esculpirmos nossos corpos, sermos nossos corpos é inquestionável.

Mas voltemos ao ensinamento.
Enquanto confiantes no Buddha, praticamos examinar aquilo de que somos compostos, ou os entes materiais com os quais nos identificamos, trazendo para a luz da consciência a natureza medíocre da matéria que gostamos de esquecer: átomos e moléculas, que são só o que tem que ser átomos e moléculas.

Graças ao atual conhecimento sem igual de átomos e moléculas temos inúmeros recursos para moldar nossos corpos. Quase como os oleiros moldavam a argila em belos potes nos tempos do Buddha.

Podemos sentir dor quando quebra-se um pote do qual gostamos, ao qual estamos apegados, no qual projetamos sentimentos e sensações. Felizmente é mais fácil optar por estabelecer ou não uma relação assim com potes.
Com o corpo há a ignorância fundamental e o mundo que gira por ela a nossa volta nos mantendo a ser corpos muito menos maleáveis e dóceis que argila. Muito mais decadentes.
Nos falta opção?
Somos consciência e matéria. Seja lá o que forem tais coisas, é possível, a partir de nossa experiência, afirmar este mínimo da nossa existência. 
O Buddha nos deixou métodos, como os citados acima, para confrontar a matéria de forma direta e franca dentro de nossa experiência do existir e descobrir se há uma opção para existirmos menos sujeitos à sua mediocridade. De várias formas inclinamos nosso ser ao escrutínio deste ente com que tão arraigadamente nos identificamos até sentir profundamente se é, ou não, dolorosa e frustrante esta identificação.
Trazer à consciência a natureza nua de nosso corpo, contra tudo o que há para nos fazer esquecer, talvez seja o  que exerça, dentro do preciso e vasto ensinamento do Buddha, o papel de um poderoso motor a nos impulsionar contra a correnteza.

domingo, 9 de agosto de 2015

Cultivador Da Sabedoria 3

"Para ser bem sucedida, a prática da meditação tem de abranger toda a pessoa e todos os aspectos da vida diária. O caminho da prática tem causa e efeito, o que significa uma fundação adequada conducente a bons resultados. Não podemos escolher nos ocupar com alguns aspectos do caminho e negligenciar outros. Se fizermos isso, todos os nossos esforços acabarão por se revelarem decepcionantes."

domingo, 2 de agosto de 2015

O Nobre Caminho Óctuplo - Livro

Meus primeiros contatos com o Theravada foram por livros do Venerável Bikkhu Bodhi e Venerável Buddhadasa. 
Há dez anos. 
Muito auspiciosa efeméride pessoal com este lançamento e o prometido para breve do Venerável Buddhadasa.
Que sirva para amenizar a vida de muitos!

quinta-feira, 16 de julho de 2015

despertar

não é um livro para religiosos. 
mas se forem buddhistas, talvez possam gostar, assim como eu.
o que faz a fama de sam harris é o seu franco combate ao teísmo. especialmente às religiões fundadas nas mitologias de criação por deus ou deuses e todos os absurdos que seguem no rastro. aquele religioso que traveste sua crença de conhecimento e reza para que um dia ela seja partilhada ou imposta, se necessário, nem considere a leitura. 
também aquele espiritual que crê serem as religiões meramente diferentes caminhos para o mesmo fim, pare por aqui. 
pois sam harris afirma que não são. expõe simples e claramente as diferenças e aponta o porquê de algumas crenças serem mesmo obstáculos intransponíveis ao progresso espiritual que ele julga conducente ao objetivo maior.
o objetivo maior é a constatação direta de que este eu que sentimos estar experimentando o mundo atrás da testa, não existe, nunca existiu, nunca existirá.
parece coisa de buddhista. 
e é, do início ao fim.
o caminho para realizar o objetivo supremo da espiritualidade ele diz não ser outro que o cultivo mental, através da atenção ao momento presente conforme ele vai se manifestando via nossos sentidos e mente.
buddhismo simples e franco, despojado de complicações como é o bom buddhismo.
penso eu.
sam harris relata longa experiência em meditação sob orientação de mestres famosos. o grande mestre de sua vida foi o lama tibetano tulku urgyen rimpoche, de quem afirma ser a pessoa que lhe concedeu o ensinamento mais relevante de toda a sua vida. 
sam harris é graduado em filosofia e doutor em neurociência pela universidade da califórnia.
mas também não há condescendência, nem para com a ciência, nem para com amigos com quem partilha sua cruzada ateísta: a ciência não faz ideia do que seja a mente, embora possa concluir coisas importantes a partir da observação da atividade cerebral e a espiritualidade é algo fundamental como uma busca por escapar quando se constata a realidade de que a vida, a existência é, assim, algo bem precário e insatisfatório. 
dukkha, para os iniciados.
fiz inúmeras anotações e não é viável citar tudo o que acho relevante, mas uma passagem achei genial e um trecho resume meu pensamento enquanto religioso:

a passagem: ele compara o sentimento do "eu" ao ponto cego ocular. se você não sabe o que é o ponto cego ocular, pesquise no google. há até execícios bem divertidos para explorar o ponto cego. depois compare com aquilo que se disserta sobre o atta, o eu, no buddhismo. insight é uma possibilidade.

o trecho:
A verdade é que, seja lá o que for que aconteça após a morte, é possível se justificar uma vida de 
prática espiritual e autotranscendência sem fingirmos que sabemos o que não sabemos.

e é só isso.

terça-feira, 30 de junho de 2015

O Discípulo Laico*

Este é o discípulo do Buddha, vivendo em seu lar. Ele tem confiança no despertar do Buddha. Ele treina a si mesmo para purificar suas ações e sua fala. Ele cultiva a generosidade, aprende a ceder e a deixar ir. E esta é a sua prática: ele aproveita as oportunidades para ouvir o Dhamma - a palavra do Buddha - de monjas e monges despertos. Mas isso não é tudo. Ele sustenta a lembrança do Dhamma que ouviu. Ele tenta memorizá-lo, mantê-lo em sua mente. Porque ele sabe que, assim, vai refletir sobre ele, observar, investigar, compreender profundamente. Então, por tal prática, ele sabe, sendo esta uma lei natural, sua vida vai seguir o processo, inevitavelmente.
Lenta mas seguramente, toda a sua vida é tocada e transformada pela mágica que é o milagre do Dhamma: em seu trabalho ele é aplicado, trabalhador e diligente. Em suas finanças ele é generoso, evitando dívidas, consciente dos benefícios de poupar e nunca se esquecendo de avivar o espírito de sua família e amigos. Ele cuida bem de seus pais, a quem deve sua formação e orientação na vida, e instrui e apoia seus filhos e companheiros sempre buscando se associar com pessoas boas e nobres. Assim, sua vida mundana está num equilíbrio que lhe permite dedicar mais tempo e clareza à vida espiritual.
Pelo menos uma vez por semana, vestido de branco, símbolo da pureza, ele desfruta de um dia de silêncio e contemplação. Ele determina sua mente a aplicar-se neste nobre treinamento de corpo, fala e mente. Ele sabe, cada dia passado a seguir os passos dos Arahants será, na soma final de seus dias terrenos, mais valioso do que qualquer fortuna em sua conta bancária. Neste dia, ele lembra-se do Dhamma que aprendeu, pode também jejuar, mantendo-se leve e simples, refletindo sobre as palavras do Buddha. Ele pode contemplar as qualidades do Buddha, aquilo que caracteriza um Desperto, ele pode contemplar Dhamma e Sangha. Ele pode lembrar das qualidades dos Devas sabendo que sua vida, se purificada desta forma, irá conduzi-lo a tal estado mental e nenhum outro.
Começa todos os seus dias com as cinco contemplações saudáveis pela manhã. Todas as manhãs ele reafirma a sua confiança no mestre, o contemplativo Gotama, na sua explicação do Dhamma e no grupo de discípulos que seguem esse caminho com sinceridade. Todas as manhãs, ele reflete sobre as virtudes que está determinado a pôr em sua vida e reflete sobre como pode praticar generosidade naquele dia. Todos os dias, ele se exercita, para fortalecer sua lembrança dos ensinamentos do Buddha, recitando as palavras do Desperto de memória. Todos os dias pode-se encontrá-lo calmamente refletindo sobre o significado do Dhamma que ele aprendeu. Outros chamam de meditação, ele chama de sammā samādhi e bhāvanā, ou desenvolvimento, pois ele sabe que isto é como uma planta, precisa de atenção constante e manuseio cuidadoso para que cresça forte a dê frutos.
Ele sabe que da confiança vem serenidade, e da serenidade alegria. Tal alegria interior vai levá-lo mais do que frequentemente à permanência tranquila dos quatro jhānas. Ele sabe como utilizar a perfeita calma e equanimidade do quarto jhāna para lembrar suas vidas passadas, sim, ele pode dominar habilidades como essa, mas acima de tudo, ele não conhece maior alegria do que refletir sobre a impermanência dos seis sentidos, observando seu borbulhante surgir e cessar conforme sua sabedoria cresce, não conhece maior alegria do que observar os cinco agregados surgindo e se dissolvendo, contemplando a origem dependente que conduz a um profundo insight e sabedoria purificadora.
Conforme seus dias periódicos de meditação (Uposatha) se desenvolvem em profundidade, guiado e alinhado pelas palavras do Buddha que ele preza como um antigo tesouro, sua habilidade em aprofundar seu despertar através da aplicação das meditações como descritas pelo Buddha torna-se formidável. Ele, vestindo branco, ainda vivendo entre esposa e filhos, mantém a sua mente firmemente empenhada na atenção plena ao corpo, ou às quatro satipatthanas, ou à meditação pela respiração, conducentes a profundos insight e sabedoria e aos frutos de entrar na correnteza, de só mais uma vez retornar e de não-retorno. Este ele sabe ser o caminho para Nibbāna conforme apontado pelo Desperto.

Com base nos seguintes suttas:
•                       Mahanama Sutta,   AN.8.25
•                       Vyagghapajja Sutta,   AN 8,54
•                       Singalovada Sutta,   DN 31
•                       Sakka Sutta,   AN 10,46
•                       Muluposatha Sutta,   AN 3,60
•                       Uposatha Sutta,   AN 8,41
•                       Nandamata Sutta,   UMA 7.6
•                       Cittasamyutta,   SN 41
•                       Gihi Sutta,   AN 5,179
•                       Anana Sutta,   AN 4,62
•                       Nakula Sutta,   AN 6,16
•                       Velama Sutta,   AN 9,20
•                       Brahma Sutta,   ITIV. 106
•                       Cinco reflexões diárias: Abhiṇha Paccavekkhitabbaṭhāna Suttaṃ,   AN 5.6.7   e   Aqui




*texto traduzido e publicado sob autorização do autor.
original aqui.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A Escola Buddhista Caetanovelosoyana*

O Buddha simplificava as coisas. 
Nos suttas antigos, quem sou eu para falar nos suttas antigos? Parênteses. Mas sou um releitor permanente dos eruditos que podem falar, então replico o que destes consigo apreender... 
Nos suttas antigos o Buddha utiliza comparações frequentes com elementos do cotidiano ordinário de seus ouvintes para transmitir seus insights.  São vários os símiles e parábolas com arcos, serras, fogo, pedra, pregos, árvores, barcos e etc. que o Buddha belamente constrói e utiliza de forma sempre iluminadora e desconcertante como forma de, com palavras, dar instruções para que sigamos rumo ao indizível. Aqui é um momento em que eu deveria colar trechos daqueles suttas para corroborar minha afirmação, mas eu não planejei escrever isso aqui e não sou muito de fazer anotações nas minhas leituras. Fica por sua conta buscar pelas provas. Há muito material disponível.
O Buddha não promete pouco. É o completo fim do sofrimento o que ele garante. Ainda assim, é sempre claro, limpo, simples nas suas falas. Para nos levar ao fim completo do sofrimento ele nos indica o que investigar: nosso próprio sofrimento, aqui, agora, nesse corpo. Não nos manda contemplar a beleza transcendental da vida. Se você é um feliz e satisfeito mas ainda assim quer praticar o buddhismo, eu acho, eu, veja bem, outro parêntese, eu acho que você vai precisar aguçar sua percepção para a dor que existe nessa sua felicidade...
Mas voltando ao simples, estas linhas proliferaram na minha cabeça e forçaram sua vinda para cá depois de umas leituras que fiz por estes dias. Primeiro aqui, este texto do professor Ricardo Sasaki e, nos dias seguintes, dois outros que não vou citar. Enquanto o primeiro me parece estar em linha com aquilo que penso, os outros dois desalinham completamente. Apesar de serem de mestres que respeito, eles complicam, e complicam muito, seguindo devotamente uma longa linhagem de complicadores do Buddha Sasana surgida pelos milênios de expansão dos ensinamentos. 
É quase como se pensassem assim: se eu falar o simples, e eles entenderem, como é que eu fico?
Pensassem inconscientemente, talvez, pelos milênios afora até hoje... Sei lá, entende?
O Buddha ensinou e se mandou. Quando morreu, disse que nosso mestre seria o que ele deixou ensinado, ponto. Percebe o link com o texto do Sasaki? Nossa relação com um mestre deve ser a de buscar entender, e entender o que é dito para por em prática, e não passar a vida agarrado em seu manto encantado com a profundidade ininteligível do que ele fala. E ao mestre cabe a disposição de falar o que se pode entender...
Ouviu, entendeu, praticou, realizou, parabéns. Gratidão e respeito eternos, caso esse negócio de eternidade exista.
Quem é de nibbāna, nibbāneia. Quem é bodhissatta, boddhissatteia.
No livro que estou traduzindo, biografia e ensinamentos do Venerável Paññāvaḍḍho, terminei agora um capítulo em que há o seguinte trecho: Quanto mais vocês puderem conhecer o Dhamma, mais vocês terão um professor interno para guiá-los. Vocês provavelmente tem um professor externo, o que é necessário; mas, em última instância, vocês devem substituir o professor externo pelo interno. Quando isso tiver sido feito, vocês não precisam mais estar com um professor. Vocês podem praticar sozinhos, então.
Ser capaz de estar sozinho pode ser um estágio distante para a maioria de nós, mas é o espírito da coisa que precisa ser compreendido...
Mas voltando ao simples, quando o Buddha simplificava as coisas, me parece claro ser essa a intenção, que as pessoas entendam e sigam o caminho do abandoneísmo, conforme o Venerável Kaṭukurunde Ñāṇananda maravilhosamente explica.
As coisas, os ensinamentos, são para uso e descarte. Quanto mais simples for, melhor. A gente vai por etapas, gradativamente, mirando o fim.
Isso nos leva ao símile da jangada elaborado pelo Buddha, mas deixa isso pra outro dia, talvez.

*Escola fundada por um amigo que gosta de complicar as coisas...

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Cultivador Da Sabedoria 2

Conforme dito aqui, mais trechos:

"Quer seus alunos fossem novatos em meditação ou monges envolvidos em uma vida inteira de prática espiritual, Ajaan Pañña salientava que o desenvolvimento da concentração e sabedoria meditativa requeria a observância de certos princípios universais. Em essência, este processo envolvia uma progressão do externo para o interno; do grosseiro ao refinado; da ênfase no corpo à ênfase na mente; e de um estado de atividade a um estado de quietude. Para ser bem sucedida, a meditação deve ser uma disciplina que envolva toda a pessoa e todas as facetas da sua vida diária. É um caminho de prática que engloba tanto causa como efeito: a fundação apropriada levando a resultados apropriados. Praticantes não podem simplesmente optar por cumprir alguns aspectos do caminho e negligenciar outros; caso contrário, todos os seus esforços acabarão por se revelar decepcionantes."

(...)

"Ajaan Pañña imprimia em seus alunos a noção de que a prática da sabedoria cobria uma gama muito ampla de fenômenos mentais. Por causa disso, eles tinham que procurar métodos criativos para lidar com as inúmeras possibilidades que podiam surgir no decurso das suas investigações. Eles não podiam esperar que os métodos adequados simplesmente aparecessem do nada para si. Os métodos corretos, os que fossem mais adequado às suas necessidades, poderiam ser bastante evasivos. Não era uma questão de simplesmente sentar e observar a consciência em seu ir e vir. Eles tinham que buscar seriamente pelo método correto, ou então nunca iriam encontrá-lo. Eles tinham que fazer uma escolha deliberada de que facetas da mente iriam observar, escolhendo os aspectos mais relevantes com base em seus insights sobre o Dhamma. Para que isso acontecesse, eles deveriam realmente aplicar diligência ao que estavam fazendo. A investigação devia ser algo importante para eles. Para serem verdadeiros cultivadores de sabedoria, eles deveriam dedicar o tempo e o esforço para desenvolverem adequadamente a prática da sabedoria. Se o fizessem, a mais elevada realização não estaria fora de seu alcance.
'Essa era a essência geral das palestras que Ajaan Pañña oferecia igualmente aos monges e praticantes laicos."

quarta-feira, 15 de abril de 2015

saudade

recebi dia desses um vídeo, dessas correntes que as tecnologias de hoje permitem. na verdade recebi de novo, eu acho...
com aquela música em que o djavan diz que é feliz e por isso está aqui e também quer viajar naquele balão, o vídeo exibe uma sequência de coisas que marcaram a infância e adolescência da minha geração: doces, brinquedos, personagens, brincadeiras...
superfantástico.
e aí, se entre outros, é praxe concordar com o "nossa, aquilo que foi época! que saudade!"
faz parte de estar entre outros, como fazem tantas coisas...
mas só, eu não.
saudade é algo sobre o que nem penso muito. cada dia vivido, foi. que vá. que passe. na memória, um dia que passou.
a calva aumenta, o corpo dói cada vez um pouquinho mais, mas a alma menos.
a alma se aquieta.
aspiro ficar só com a dor que for inevitável.

domingo, 12 de abril de 2015

em chamas

dukkhinha, sofrendo os primeiros tempos da adolescência, ficou até tarde da noite conversando com amigos. inevitável a comparação com minha temporada nesta infernal época da vida...
outra tecnologia, menos presente. 
menos conexão, mais solidão.
até tarde eu ficava sozinho ruminando os acontecimentos. quando nestas horas "conversava" era com kafka, camus, alan moore, bukowski, machado, drummond, frank miller, pessoa, angeli... meus melhores amigos.
o que será dessa gente nova? essa gente que não sabe ficar só... ou não consegue, ou não se permite, ou não experimenta? essa gente nova a quem é negada a solidão. como serão...?
o samsara é moto contínuo.
meus diálogos de então e os de hoje, da geração de dukkhinha, mantém a roda girando. simples assim.
o que determina o surgimento da visão de que a única solução é o cessar do giro desta roda é um mistério insondável para mim...
quiçá haverá kafkas, camus, bukowskis, machados, drummonds, conversando noite afora pelos whatsapps...

domingo, 29 de março de 2015

eu também vou transcender

ser bom, ser ético, ser digno do que é dito ser humano não é simples nem fácil. quem tenta de verdade, sabe. embora a vida fique clara e leve quando se tem sucesso, o sucesso não vem sem alguma dor. pensemos que o comportamento ético dificilmente traz os ganhos que nos ensinam a valorizar e, geralmente, implica nalguma perda imediata e até posterior. poucos são os que se permitem perder.
mas essa dificuldade, esse passo gigantesco e árduo que é o exercício de ser bom, parece não ser suficiente para alguns...
não é raro, em palestras dadas por professores buddhistas, surgir aquela modorrenta questão: "mas não é verdade que todas as religiões podem levar à iluminação, professor?" 
não basta os caminhos todos estressarem a importância fundamental de ser bom, ser bom mesmo. os caminhos religiosos falam de ser bom como quase ninguém no mundo conhecido é. famosa a passagem do Buddha alertando aos seus seguidores que se aquele que, tendo seus membros serrados, nutrir raiva por quem os serra, não pode se considerar Seu discípulo. 
eis o tamanho do imbróglio. mas basta isso? que nada! o que preocupa as pessoas é igualar, de qualquer jeito, nibbāna, fusão com o universo, unidade com deus e por aí adentro no emaranhado de concepções sobre aquilo que ninguém sabe se é...
que me importa a iluminação a que você chegou ou quer chegar? absolutamente nada. me basta que você não tome meu lugar numerado, não estacione em fila dupla, não cante a minha mulher. funda-se com seu deus a vontade se você me deixar em paz na minha busca pela cessação. conte, inclusive, com a minha ajuda no que me for possível.
e não me venha querer dizer que o objetivo do buddhismo é o mesmo que o seu, que nós vamos para o mesmo lugar e tal. eu não quero ir com você. simples assim.
até onde eu cheguei na minha compreensão do Buddhadhamma, o Buddha ensina o nibbāna como sendo a solução. e nibbāna é apagamento, extinção. 
ponto. 
extinção do quê? de compor coisas ignorando que são compostas. é nesse aqui que estou. e aqui, me parece claro, só o Buddha ensinou isso, talvez para tristeza de alguns.
é possível que alguém mais tenha chegado, ou venha a chegar, no mesmo que o Buddha sem a ajuda do Buddha? quem sou eu para saber isso e que importância tem saber isso diante da tarefa árdua que é fazer o básico que certamente este alguém teve ou terá que fazer para chegar lá?
eu acho que é bom a gente pensar nisso um pouco e parar com essa mania de importunar os outros com o que só importa a cada um individualmente.

domingo, 22 de março de 2015

Cultivador da Sabedoria

Aceitando um desafio proposto pelo bikkhu brasileiro ordenado e praticando na tradição das florestas da Tailândia, Ajahn Mudito, eu me pus a traduzir a biografia do Venerável Paññāvaḍḍho (Cultivador da Sabedoria) escrita por Ajahn Dick Sīlaratano, com o conhecimento e a autorização do autor.
Ajahn Paññāvaḍḍho foi um dos pioneiros ocidentais na tradição mais antiga do buddhismo e, me parece, marcante por exibir em sua personalidade certas características paradigmáticas da cultura e pensamento ocidentais. Você concordará ou não se ler a biografia.
Tudo indo no ritmo que está, até o fim do ano entrego a última parte para revisão.
Mas como nos canta Gilberto Gil, num dos inúmeros ecoares de Dhamma que podemos ouvir dos poetas, "Tudo agora mesmo pode estar por um segundo...", vez ou outra, durante a empreitada, eu vou colocando trechos por aqui que eu achar relevantes ou que me causem forte impressão.
Estes que vem a seguir, me fizeram rir, de mim mesmo e de todos os outros, por conta da coincidência no estado de coisas um tanto distantes no tempo e no espaço. Nós gostamos tanto de nos enxergar diferentes, melhores e evoluídos, seja pelo conhecimento, seja naturalmente, pelo tempo que passa, como se o aperfeiçoamento fosse algo natural e espontâneo... 
Mas eu arrisco que um sintoma de que algum entendimento do Dhamma está ocorrendo é se, num momento, nos pegarmos meio que desacorçoados com a constatação de uma profunda estupidez...
Mas, seguem os trechos, que são a narrativa dos questionamentos e percepções iniciais que contribuíram para que o jovem Peter viesse a se ordenar como o Bikkhu Paññāvaḍḍho:

 "Peter começou cada vez mais a notar essas deficiências no local de trabalho. Ele percebeu quão ineficiente a empresa era, porque as pessoas estavam pensando em si muito mais do que em seu trabalho. A prioridade de muitos funcionários era chegar na frente, subir continuamente a escada do sucesso. Os mais determinados na escalada eram geralmente os que na verdade não sabiam muito. Eles eram espertos o suficiente pra subir, mas não hábeis em seu trabalho, e geralmente eram bastante ineficientes. Na empresa, o trabalho que você realizava importava menos do que sua posição dentro do grupo e as pessoas que você conhecia. Essa atitude não só levava a uma concorrência desleal, mas também à degradação do relacionamento entre os trabalhadores. Os funcionários viam-se, individualmente, como mais importantes do que os seus colegas. Para proteger o status, sentiam-se obrigados a obter a sua cota de sucesso e a obtê-lo antes dos outros. Em suma, colegas de trabalho se enfrentavam uns aos outros baseados em continuamente perceber o outro como concorrente."

 "O pós-guerra britânico estava entrando em um período de aumento do poder e liberdade, onde muitas das velhas estruturas sociais e culturais foram sendo desafiadas e lentamente corroídas. A comercialização da sociedade coincidiu com um aumento constante da riqueza material. O consumo havia se tornado menos conectado com necessidades utilitárias e mais com status e conforto. Para muitas pessoas, suas escolhas de estilo de vida e padrões de consumo começaram a sustentar sua identidade pessoal. O carro, os passeios, as maratonas de compras, as visitas ao pub local várias vezes por semana, as férias anuais no mesmo hotel no sul - aqueles eram os prazeres para os quais eles viviam e pelos quais se definiam."

"Muitos anos mais tarde, Paññāvaḍḍho explicaria sua motivação para ter se ordenado: 'a sociedade britânica se assemelhava a um enorme casulo emaranhado em que cada um de todos os seus membros conseguia ver outras partes do casulo, enquanto a coisa toda rodopiava sem qualquer propósito ou direção, e ninguém nela conseguia diferenciar o certo do errado. Pessoas formavam opiniões e teorias sobre quase tudo, aderindo-se a elas com toda força. Em pouco tempo, todos começaram a discutir e brigar, o que levou a greves, manifestações de estudantes e conflitos. A única escolha sensata foi, em silêncio, sair na ponta dos pés daquela bagunça enquanto todos estavam muito ocupados brigando e lutando para perceber'."

Divertido, não?


quinta-feira, 5 de março de 2015

você é luz. é raio, estrela e luar.

o wando disse. 
agrada a muita a gente.
também agrada qualquer visão de mundo que nos afirme parte de algo luminoso, transcendente, sublime e divino.
o buddhismo registrado nos suttas antigos, aquele considerado mais próximo do Buddha no tempo e no espaço, às vezes mela um pouco com nossas esperanças de sermos assim como disse o wando.
vejamos o corpo.
o corpo, naqueles suttas, é descrito como coisa repulsiva, fonte de preocupação, estresse, dores e odores. algo que nos engana, nos toma tempo, nos escraviza e submete para, no fim, vir finalmente a se explicitar tão apreciável quanto um cocô de cachorro.
nos resta a mente. 
mas que também não é lá esta coisa que queríamos que fosse. aquilo assim meio luz eterna, una com o 'universo', verdadeiro eu, raio, estrela e luar...
vejamos o que diz o Buddha no mahatanhasankhaya sutta:

 da mesma forma como o fogo é designado pela condição particular de dependência, dependendo do que ele arde – quando o fogo arde na dependência de lenha, ele é designado um fogo de lenha; quando o fogo arde na dependência de gravetos, ele é designado um fogo de gravetos; quando o fogo arde na dependência de capim, ele é designado um fogo de capim; quando um fogo arde na dependência de estrume de vaca ele é designado um fogo de estrume de vaca; quando um fogo arde na dependência de palha, ele é designado como um fogo de palha; quando um fogo arde na dependência de lixo, ele é designado um fogo de lixo – assim também a consciência é designada pela condição particular de dependência, dependendo do que ela surge.

ou seja, consciência é um fenômeno dependente como outro qualquer: olho, mais forma, mais faculdade de visão, é igual a consciência visual. ouvido, mais som, mais faculdade de audição, é igual a consciência auditiva. 
e assim sucessivamente.
experimentar isso de forma precisa, direta, sem intermediação intelectual parece ser o que possibilita conhecer a meta buddhista que é a segunda parte de tudo o que o Buddha ensinou, a saber:

“bhikkhus, tanto antes como agora o que eu ensino é o sofrimento e a cessação do sofrimento."

sábado, 7 de fevereiro de 2015

pazes

a história é aquela: o herói sai em busca do que ignora carregar no bolso por toda a jornada cheia de aventuras.
voltando ao ponto de partida, alguma coisa o faz olhar dentro do bolso.
a biografia do Buddha conta que num momento crucial de sua busca Ele se lembra de um dia em que, ainda infante, experimentou algo oriundo de um momento de quietude interior no quintal de seu palácio, na companhia de seu pai. e resolveu seguir aquela pista. 
deu no que deu.
esses toques parecem dizer que, em tese, é possível despertar até assistindo ao big brother. 
talvez fosse mais fácil se tomássemos o caminho mais difícil de dedicação integral ao cultivo da mente, à reformatação da percepção e concepção do mundo. mas como a vida não é nossa, e aceitar isso parece ser já uma gota de sabedoria, a melhor opção é fazer as pazes com nossa própria jornada.
lavar louça, varrer a casa, limpar o banheiro pode ser uma viagem.
acordar bem cedo para trabalhar. trabalhar à noite... quanta coisa acontece, quanto material vazio, impermanente, difícil de suportar surge por todos os lados!
a vassoura quase esmaga uma aranhinha que sai em atabalhoada fuga. o varredor pode bem parar um momento e questionar-se em que ponto a sua limpeza vale mais que a vida da aranha... respirar, aquietar e varrer a mente. um pouquinho.
e de pouquinho em pouquinho vai-se tomando o caminho de dedicação integral ao cultivo da mente. quem sabe quando o mais difícil deixará de ser?


Speech by ReadSpeaker